sábado, 19 de julho de 2008

Entrevista com economista Rodrigo Ávila desmascara governo Lula

Não existe divisão no governo; o que todos querem é pagar juros

O economista Rodrigo Ávila, ligado à rede Jubileu Sul, faz coro ao colega Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, para quem o Governo Lula optou definitivamente pelo capital financeiro ao editar a Medida Provisória 435, que dispensa os exportadores de internalizarem os dólares obtidos com as vendas externas e libera verbas vinculadas, não gastas em 2007, para serem usadas este ano no pagamento de juros. "É uma falácia que exista divisão no governo. Não existe. Todos querem a mesma coisa. Não existe um grupo ligado ao Banco Central e outro ao Ministério da Fazenda", denuncia Ávila. Já Reinaldo Gonçalves, citando o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria (Iedi), sublinha a deterioração de vários indicadores de vulnerabilidade externa, como balança comercial, transações correntes e passivo externo líquido (PEL), que aumentou 49,5%, somente em 2007. "O estoque líquido de investimentos de portfólio (ações e títulos públicos) cresceu 71% em 2007 e atingiu US$ 494 bilhões; e o estoque líquido de investimento direto aumentou 62,5% e chegou a US$ US$ 199 bilhões. Vale observar que a apreciação cambial em 2007 também contribuiu para a ampliação desses estoques, que são denominados em reais, mas convertidos em dólares à taxa de cambio de final de período (que se apreciou 17,7%)", relata o Iedi. "A MP 435 mostra que todos no governo querem mesmo é pagar juros. É um roubo dos recursos sociais", acrescenta Rodrigo Ávila, que concedeu ao MM a seguinte entrevista exclusiva:

O que está por trás da MP 435, que está sendo discutida no Congresso?
A medida revela claramente a coloração política do governo, quando permite que R$ 54 bilhões de recursos vinculados não utilizados no ano passado sejam usados para o pagamento de juros.

Mas esses recursos não estariam nos restos a pagar de 2007?
Nem entram no restos a pagar porque não chegaram a ser empenhados. Simplesmente o recurso não foi usado em 2007. Esse dinheiro tem vinculação legal e não pode ser usado para o pagamento de juros, mas a MP 435 acaba com essas vinculações. Até então, esses recursos estavam vinculados a determinadas despesas e o governo as mantinha em caixa para aumentar a credibilidade junto aos credores. Eles não estão interessados em saber se o dinheiro ficará no caixa do governo. O mais importante é que esse recurso possa ser usado para cumprir compromissos da dívida pública em caso de emergência.

Poderia citar um exemplo de recurso vinculado que o governo pretende reservar para tranqüilizar o mercado financeiro?
Ao vender passagens, as empresas aéreas arrecadam para o governo uma taxa para investimento em aeroportos, fiscalização dos serviços públicos prestados naquele setor, inclusive no controle do tráfego aéreo. Parte desses recursos não foram usados no ano passado e agora estão livres para uso no pagamento de juros.

Por que, na sua opinião, não existe conflito entre Banco Central (BC) e o Ministério da Fazenda (MF)?
A MP 435 é iniciativa do Tesouro, que é ligado ao MF e ao BC. É uma falácia que exista divisão no governo. Não existe. Todos querem a mesma coisa. Não existe um grupo ligado ao BC e outro ao MF. Essa medida provisória mostra que todos querem mesmo é pagar juros. Dizia-se que com o grau de investimento poderíamos pagar juros mais baixos e que eles só estão em alta para combater a inflação... A MP mostra claramente uma opção política pelos rentistas, em detrimento da área social. Na MP é dito que a economia daqueles recursos vinculados reforça o colchão para o pagamento da dívida pública. A MP diz claramente que os recursos adicionais irão ajudar o governo a manter o cronograma da dívida. Citam também o nervosismo do mercado financeiro com a inflação. Ou seja, o governo garante que não emitiu a MP 435 por causa da crise, mas, no mínimo, a medida tem essa conotação política. Existe também o argumento de melhor administração dos recursos, que, afinal, não foram gastos.

Se não gastou, porque o governo deveria torrar esse dinheiro com a dívida?

O próprio governo contingenciou para justificar depois o gasto em outra área. A origem de tudo isso está no Orçamento apenas autorizativo - não obriga que o recurso aprovado seja gasto, apenas autoriza. O governo admite que os R$ 54 bilhões se referem a recursos vinculados, mas pode não gastar. No ano seguinte, numa medida provisória, pega um dinheiro já destinado em orçamentos anteriores, quebrando completamente o que foi aprovado pelo Congresso. Isso é pior do que o que acontece hoje: deixar o dinheiro compondo superávit primário, mas não usar com juros. É um roubo dos recursos sociais.

O que aconteceu com a campanha pelo orçamento impositivo?
Fica difícil pensar nisso diante de uma MP como a 435. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada na última terça feira, o artigo 4º, parágrafo 4º, submete a busca de metas sociais ao atendimento das metas fiscais. É uma inovação na LDO, um escândalo que prova que o orçamento fica cada vez menos impositivo, embora existam várias entidades lutando pelo contrário. Se em algum momento o governo assumiu a bandeira do orçamento impositivo, agora faz o contrário.

O sucesso do orçamento participativo não poderia ser aproveitado em nível federal?
Nos estados e municípios onde foi implantado o orçamento participativo, apenas uma parcela pequena, em torno de 3% do orçamento, era alvo da discussão. Se ampliado em percentual e levado à instancia federal, seria muito positivo. Mas o que existe é a falácia de que houve audiências públicas para discutir o Plano Plurianual (PPA), quando na verdade a meta de superávit primário já estava estabelecida. A sociedade participa apenas de migalhas do Orçamento e ninguém aceita mudar essa política. Era dito que o Brasil era pioneiro, a partir da experiência do PT em alguns municípios, mas, como disse, era parcela muito pequena do orçamento municipal sujeita à consulta popular. O grosso dos recursos do país, por outro lado, está na esfera federal. A arrecadação está centrada nas contribuições, de modo que estados e municípios não tenham margem de manobra. Os recursos ficam na esfera federal para fazer superávit.

Foram também encaminhadas ao Congresso as MPs 432 e 433. Qual sua opinião sobre elas?
A MP 432 trata da renegociação das dívidas dos produtores rurais, mas a discussão ficou para depois do recesso. É uma contradição, pois a vai gerar prejuízos de R$ 9 bilhões para os cofres públicos, referentes a valores que seriam perdoados. Aí que está a contradição: o mesmo governo que aceita perder R$ 9 bilhões perdoando dívidas dos grandes produtores é o que paga antecipado sua dívida ao FMI, faz superávit primário monstruoso e dá todas as garantias aos credores financeiros. Na hora de cobrar dívidas que tem direito, perdoa. É uma questão política. Quem tem poder, ganha. E os principais beneficiados não são os agricultores familiares, mas o grande agroexportador. Não é isso que vai resolver a crise de alimentos. Quem produz para o mercado interno é a agricultura familiar, parte ínfima desse pacote.

E quanto à MP 433?
Isenta, temporariamente, o trigo do PIS/Cofins - até 31 de dezembro desse ano.

Se é para fazer justiça fiscal, porque limitar o tempo?

Provavelmente isso esteja dentro de uma política mais de combate à inflação, e não para beneficiar o consumidor de baixa renda. Na exposição de motivos nem chegam a citar a baixa renda. O texto diz que a desoneração temporária dos derivados do trigo é motivada pelo cenário externo adverso de elevação dos preços. Não é justiça fiscal, mas combate à inflação.

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