Querem transformar a Petrobrás numa mera “prestadora de serviços” para eles
A “Folha de S. Paulo”, no domingo, saiu com a manchete: “Petrobrás não terá monopólio de campo”. Naturalmente, isso é mais um anúncio de lobista do que uma manchete. O “campo” referido é a área do pré-sal, um gigantesco lago de petróleo descoberto pela Petrobrás, talvez a maior descoberta petrolífera da História. Depois de garantir que a Petrobrás não extrairá petróleo do pré-sal sozinha – ou seja, que o pré-sal vai ser aberto às multinacionais – o próprio texto da primeira página da “Folha” desmente o título: “Embora o governo Lula ainda não tenha posição final sobre as regras para explorar os novos megacampos de petróleo na costa...”. Se o governo não tem ainda posição final sobre o assunto, como é que “já decidiu que não deve entregar à Petrobrás todas as áreas da camada do pré-sal que ainda serão leiloadas”? Pois quem garante que haverá leilões no pré-sal? Exatamente isso é o que está sendo decidido – e por isso os leilões estão suspensos.
EMPRESA
Nas duas páginas que tentam sustentar a manchete é dito que o governo teria chegado à essa conclusão porque “1) A Petrobrás é uma empresa mista, com participação de capital privado; e 2) a estatal se transformaria numa empresa gigantesca, com poderes demais, podendo representar riscos no futuro, como já ocorreu na Venezuela, onde diretores da estatal PDVSA participaram de articulações golpistas. ‘Hoje, a Petrobras já é um outro país. Felizmente, um país amigo’, afirma um ministro ao falar sobre as restrições do governo em tornar a estatal poderosa demais, ‘maior do que o próprio Estado brasileiro’”.
A Petrobrás sempre foi uma “empresa mista” desde a sua fundação. O que não a impediu de ser a executora do monopólio estatal do petróleo por 40 anos. Mas, detenhamo-nos, antes, na segunda questão.
Segundo o parecer que a “Folha” atribui ao governo, o fortalecimento da Petrobrás colocaria em risco o Estado brasileiro. Portanto, leiloar o petróleo do pré-sal para a Exxon, a Shell, a BP ou a Chevron seria, provavelmente, uma segurança para o nosso Estado nacional; deixar o pré-sal ser sugado pelas multinacionais do cartel petrolífero, supõe-se, é a melhor forma de promover os interesses nacionais e a nossa soberania. A Petrobrás, cuja diretoria é escolhida pelo governo, se fortalecida, seria um Estado paralelo - mas as companhias estrangeiras, não.
Pode ser que alguns redatores da “Folha” tenham essa opinião de jerico. Mas é o samba do lobista doido atribuir ao governo a idéia (?) de que uma estatal forte é um risco para o Estado - e que o melhor para o Estado nacional é entregar o pré-sal, ou parte dele, a empresas estrangeiras. Como se ninguém tivesse ouvido falar no golpe contra Mossadegh, no Irã, em 1953, e outros lugares onde hoje as petroleiras zelam muito pelo Estado nacional: Iraque; Darfur; Chechenia; e, inclusive, Afeganistão e Geórgia.
O problema da PDVSA na Venezuela foi, precisamente, o de que sua cúpula era um laranjal das companhias norte-americanas. Por isso ela necessitou, na prática, ser reestatizada pelo presidente Chávez – simplesmente, banindo da empresa os petro-laranjas.
É verdade que Fernando Henrique entregou parte do capital da empresa a particulares, sobretudo estrangeiros. Mas a maioria do capital votante – as “ações ordinárias” - está em mãos da União. E nada impede que o governo amplie a sua participação, principalmente depois da descoberta do pré-sal.
Porém, como ressaltou Fernando Siqueira, da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), mesmo na situação atual seria simples garantir a propriedade efetiva da União sobre o petróleo. Bastaria elevar para a média praticada em todo o mundo (84%) a participação que cabe a ela (hoje essa participação vai de zero a 40% e só a Petrobrás paga): “suponhamos que a Petrobrás seja a encarregada da exploração do pré-sal: 16% (100 menos 84%) da produção caberiam a ela. Mesmo tendo 40% das ações no exterior, isto representaria só 6,4% (40% de 16%), mas a União ficaria com 90,4% da produção (84 + 6,4%), pois ela ainda detém 40% das ações da Petrobrás” (v. nossa edição de 11/07/2008).
Portanto, não procedem as duas supostas razões para restringir a atuação da Petrobrás no pré-sal. Também não procede a suposta necessidade de fundar outra estatal para administrar o pré-sal, transformando a Petrobrás em “apenas uma prestadora de serviços”. Para quê? Para esvaziar o papel público da nossa maior empresa, daquela que conhece mais sobre petróleo do que qualquer outra? Para tratar a Petrobrás como outra empresa qualquer, ou seja, como se fosse uma empresa privada, isolada em meio a um mercado monopolizado até a tampa? A quem aproveitaria isto, senão às multinacionais e àqueles que sempre quiseram privatizar a Petrobrás?
No entanto, o lobismo fica mais claro ainda em duas matérias coadjuvantes na mesma edição da “Folha”. Numa delas um “consultor” diz que a definição da nova lei do petróleo, prevista para o fim do ano, “pode atrasar investimentos na área de petróleo no Brasil”. Para não atrasar esses “investimentos”, o melhor é continuar com uma lei inconstitucional e entreguista, que em seu artigo 26 determina que a propriedade do petróleo extraído é de quem o extrair – logo, apenas a propriedade da reserva (ou seja, do petróleo que não foi extraído) é do país. Extraído, passa a ser da empresa que o extraiu, ainda que seja num mar de petróleo com risco zero de não achá-lo. O consultor esclarece de que “investimentos” está falando: “futuras concessões”, ou seja, a nova lei poderia atrapalhar o açambarcamento do pré-sal por empresas estrangeiras.
A outra matéria diz que o modelo de “prestação de serviços”, pelo qual o governo contrataria empresas para extrair o petróleo, mas este pertenceria, depois de extraído, ao país, “é o que menos gera novas tecnologias, porque as empresas contratadas não são donas nem sócias do negócio”.
MODELO
O que tem uma coisa com a outra, a “Folha” não esclarece – provavelmente porque o cinismo não pode esclarecer que é cinismo. Há 11 anos essas empresas são “donas ou sócias do negócio”, sob a lei atual, com o modelo de concessões - onde o petróleo extraído é das companhias que arrematam em leilão os lotes a explorar. E, nenhuma delas, exceto a Petrobrás, gerou alguma “nova tecnologia”.
Sobre outro modelo, o de “partilha da produção”, pelo qual “a petrolífera ganha o direito de explorar uma área e fica com parte da produção, mas a maior parcela vai para o Estado” é dito que “fora a Petrobrás, as demais empresas que atuam no Brasil preferem a manutenção da regra de concessões”. Realmente. Foram elas que fizeram a lei atual – o modelo atual é o modelo delas, de acordo com seus interesses, com os interesses de seus proprietários externos, e não de acordo com os interesses do país. Por isso, é natural que a Petrobrás, que, apesar dos atentados contra ela, tem como donos o Estado nacional e o povo brasileiro, prefira outro modelo.
CARLOS LOPES
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