sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Coluna do Carlos Chagas

Reinações de Narizinho

Não tinham limite à imaginação e o patriotismo de Monteiro Lobato, lembrado esta semana pela ministra Dilma Rousseff. Foi na plataforma submarina ao largo do Espírito Santo, junto com o presidente Lula, para a extração da primeira gota de petróleo do pré-sal. A chefe da Casa Civil lembrou "O poço do Visconde", um dos muitos livros do genial autor, onde era encontrado petróleo no sítio de Dona Benta.
Horas depois Dilma estava em São Paulo, na festa dos 40 anos da "Veja", junto com outros possíveis aspirantes à sucessão presidencial de 2010, quando, mesmo sem citar, ela fez lembrar outra vez Monteiro Lobato. No caso, outro livro, por sinal o primeiro, sob o título de "Reinações de Narizinho". Disse a candidata, empolgada, "que vinha do futuro, vinha de Jubarte", o poço não do Visconde, mas da Petrobras.
Com todo o respeito, mas vir do futuro é demais. Coisa para Spielberg ou Bradbury. Quem sabe para o atual governador da Califórnia. Seria bom a ministra tomar Dona Benta como exemplo de bom senso, lucidez e cautela. Porque o futuro onde ela esteve vai demorar e é incerto. Euforia demais, só com a Narizinho.
Pelo menos dez anos passarão antes que o Brasil possa auferir os lucros da reserva de petróleo encontrada no pré-sal. Se tudo der certo. Serão necessários investimentos monumentais, hoje quase impossíveis de viabilizar. A empreitada exigirá, primeiro, grandes sacrifícios, certamente descarregados nos ombros do cidadão comum. Já se admite um novo imposto ou nova contribuição sobre os combustíveis.
O próximo presidente da República, ou presidenta, amargará alguns litros de impopularidade extra em função do esforço a ser desenvolvido pela Petrobras. Ou será pela nova empresa estatal em cogitação no Palácio do Planalto? Porque resultados, nem nos quatro nem nos oito anos do próximo mandato, se houver reeleição.
O ministério não pode gastar por conta, o governo deve conter a distribuição de euforia. Mil obstáculos surgirão, e a Quarta Frota da Marinha dos Estados Unidos é o menor deles. Nossa entrada no grupo dos países ricos, na Opep ou no imaginário mundial, custará suor e lágrimas, espera-se que sangue, não. As multinacionais do petróleo vão sabotar, já que a tendência no governo é de afastá-las. Crescerá o entusiasmo pela busca de fontes alternativas de energia, ironicamente há um mês atrás a grande meta do presidente Lula.
Os fornecedores externos do imenso e custosíssimo equipamento suplementar necessário à extração do petróleo profundo começarão, se já não começaram, a impor dificuldades e a esticar prazos de entrega. Na imprensa mundial se colherá má vontade ou silêncio. Parece inevitável uma campanha dos investidores pela não aplicação no que vão chamar de "aventura submarina".
Em suma, Narizinho empenhou-se em grandes reinações, mas essa de vir do futuro, nem Monteiro Lobato ousou. Porque o futuro do pré-sal é desconhecido, apesar de nossos votos para que venha a ser magnífico. Tomara que além de Dona Benta a nossa heroína possa colher lições da tia Anastácia, do Marquês de Rabicó, do Visconde de Sabugosa, do Pedrinho e até do burro-falante. Quem quiser que os identifique na Praça dos Três Poderes, para onde mudou-se o Sítio do Pica-pau Amarelo...

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