segunda-feira, 1 de setembro de 2008

SEBASTIÃO NERY
Política não é literatura
Por Said Barbosa Dib

José Sarney e Sebastião Nery. Homens honrados. Brasileiros ilustres. Nordestinos porretas. A política e as letras são suas paixões. Prosadores de mão-cheia, sabem como poucos o ofício de bem escrever. Não tem essa conversa fiada de um ser imortal e o outro não. O importante é que, independente do respaldo acadêmico, a realidade descrita em seus "causos" realmente fascina e encanta, como só os grandes gênios da literatura sabem fazer. E nós, meros leitores, agradecemos. Mas o que importa aqui não é o que os une, mas o que os distingue. O ex-presidente sempre conseguiu manter uma separação clara entre a sua luta política e o seu perfil de literato, uma das coisas mais raras de se conseguir. Ele sabe que a política tende a corromper a literatura, na medida em que subordina a criatividade à fidelidade aos dogmas de determinado grupo. Torna o escritor mero propagandista. Certa vez, sobre o assunto, advertiu que o "político lida com realidades, o escritor com abstrações". Como intelectual e político, aprendeu que "o intelectual é o homem da justiça absoluta; já o político é aquele que busca a arte do possível, com os instrumentos da contingência". E ensina: "quem governa vive suas circunstâncias. Não decide sobre abstrações, mas fatos".

Literatura e militância política

Tal compreensão, definitivamente, Sebastião Nery não tem. É um intelectual engajado, no sentido sartreano, que faz da literatura um campo fértil para a sua militância política, sendo aquele típico intelectualeba incrustado na "torre de marfim", manipulando, lá de cima, fatos conforme a doutrina e o interesse imediatos, estigmatizando pessoas e instituições. Romântico, ingenuamente abstrai a realidade e crê lutar por "justiça absoluta" na política, como se fosse viável definir o que seja tal coisa; por isto nunca realizou nada de útil à sociedade em sua carreira política. Age assim, simplesmente, porque nunca governou. Foi sempre coadjuvante ou observador. Passivo.
Nunca lidou com a realidade de quem tem o poder e precisa saber decidir; nunca teve que enfrentar as pressões naturais sobre quem governa numa sociedade complexa e conflituosa, como Sarney teve que fazer, não com autoritarismo, mas democraticamente (o que é o mais difícil). E o fez muito bem.

Simplismo irresponsável
Não é por outro motivo que Nery tenta carimbar Sarney como "um oligarca e esteio da ditadura", pelo fato de ter pertencido à Arena. Este é um simplismo irresponsável. Simplismo porque, pelas suas peculiaridades políticas conciliadoras, Sarney não diferia em nada de um Tancredo Neves ou de um Teotônio Vilela, quando o assunto é a luta pela democracia. Este último, assim como Sarney, também participou da Arena, mas nunca deixou de ser um ícone da luta democrática. O primeiro, Tancredo, em outro contexto, a do último governo Vargas, como ministro da Justiça, chefiou o DIP, notório instrumento de doutrinação ideológica e de repressão à liberdade de expressão, atuante mesmo no governo eleito do "Pai dos Pobres". Mas este fato também não impede que se possa afirmar que Tancredo tenha sido um batalhador sincero pela democracia no Brasil. Por outro lado, durante a construção de Brasília, peões candangos da Novacap foram massacrados por uma guarda especial por fazerem reivindicações trabalhistas. Foram quase cem mortos. JK era o presidente e a imprensa não pôde falar nada sobre o assunto. Mas este fato não imputa, necessariamente, ao visionário construtor de Brasília, o estigma de autoritário.
Mesmo assim, Nery "lambe as botas" de Tancredo e JK, mas destila veneno contra Sarney. Por quê? Seria pela sua ligação recente com Edson Vidigal, José Reinaldo e a empresa de publicidade Pública, notórios desafetos de Sarney? Tenho absoluta certeza que não. Prefiro acreditar que seja uma questão ideológica.

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