Luiz Gonzaga Lessa*
O ministro Ayres Brito, ao relatar o caso Raposa/Serra do Sol, fez um parecer admirável na forma e no conteúdo humanístico, mas cometeu um equívoco no que se refere à possibilidade de a reserva indígena ser transformada em país independente. Na visão do ministro, essa hipótese estaria totalmente afastada porque a Constituição determina que as reservas indígenas são terras da União. Ao seguir esse raciocínio, porém, Ayres Brito não levou em conta a possibilidade de um conflito constitucional, pois cabe dupla interpretação. A Constituição realmente considera as reservas como propriedade da União, com usufruto aos indígenas. Mas a Constituição também determina que todo tratado internacional de direitos humanos assinado pelo Brasil seja considerado emenda constitucional, caso ratificado pelo Congresso (art. 5º, parágrafo 3º).
Ou seja, como o Brasil assinou na ONU a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, que considera as reservas como países independentes, com leis e governo próprios e onde nem as Forças Armadas brasileiras poderiam entrar, os índios realmente poderão declarar independência, se o Congresso ratificar o tratado.
O pior é o parágrafo 4º do mesmo art. 5º, ao determinar que o Brasil passou a se submeter aos tribunais criminais internacionais, o que permitirá que os índios recorram à OEA, à ONU e ao Tribunal de Haya, como os líderes indígenas já estão pretendendo.
Ayres Brito não levou em consideração esses aspectos, por confiar nas explicações do Itamaraty (que errou ao assinar a Declaração) e do Ministério da Justiça (que erra ao desconhecer a importância dos parágrafos 3º e 4º do artigo 5º da Constituição).
O ministro Carlos Alberto Direito, que tem acompanhado as matérias desta TRIBUNA DA IMPRENSA sobre os efeitos danosos da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, em boa hora pediu vista e vai se manifestar contra o parecer de Ayres Brito.
No final, a grande dúvida é saber se o governo vai pedir ao Congresso a ratificação da Declaração da ONU ou se vai fingir que o Itamaraty não assinou nada e esquecer o assunto, que é o que está sendo feito agora. Esta parece ser a estratégia atual do governo, para evitar que as 216 reservas indígenas se transformem em países independentes.
Suas preocupações com as ameaças à soberania brasileira, em área sabidamente sensível na delimitação das nossas fronteiras, quando perdemos substancial e legítima parcela do território nacional pelo laudo tendencioso do rei da Itália em favor da Inglaterra, não foram devidamente dimensionadas.
Preocupações que persistem e são agravadas pela pretensão venezuelana sobre território da Guiana, envolvendo área que historicamente foi luso-brasileira.
Será que o ministro também desconhecia ou subestimou as pressões que as lideranças indígenas em geral, e em especial as da Raposa/Serra do Sol, fizeram e continuam fazendo em organismos internacionais para que a questão indígena brasileira saia dos limites nacionais e ganhe a esfera global, internacionalizando uma temática que, fundamentalmente, só nos diz respeito, procurando desfazer e desprestigiar órgãos governamentais e o próprio País?
Propalando falsas notícias e denúncias, procuram sensibilizar lideranças mundiais e objetivam a interferência ou até mesmo a intervenção da ONU e da OEA na definição da política indigenista do País, sendo uma das suas principais porta-vozes a índia wapichama Joenia, tão incensada pela imprensa e atentamente ouvida por sua excelência, índia que se diz mais wapichama que brasileira.
Será que o ministro não se sensibilizou, às vésperas de tão importante decisão do STF, da provocação e presença ostensiva no País do índio norte-americano James Ayala, relator da ONU para os povos indígenas, que segudas vezes se imiscuiu em assuntos internos, mostrando-se tendencioso nas oitivas que indevidamente conduziu?
Por vezes não é fácil entender decisões do Supremo Tribunal Federal, muito mais difícil e penoso criticá-las. O voto do relator, ministro Ayres Brito, frente ao problema delicado da terra indígena Raposa/Serra do Sol, gerou decepção, não pelo voto em si, mas pela fragilidade da argumentação. Será que, também, desconheceu ou menosprezou a importância das declarações de líderes de grande influência mundial, que procurando constranger o Brasil propugnam pela internacionalização da Amazônia, sendo mais atuantes e preocupantes, pela sua importância, as vozes dos senhores David Miliband, chanceler do Reino Unidos, e Pascal Lamy, atual diretor geral da Organização Mundial do Comércio?
O ministro pouco se dedicou, ainda que fazendo débeis críticas ao governo, à Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, firmada na ONU pelo Brasil em 13 de setembro de 2007, não dimensionando na sua devida proporção as imensas e perigosas implicações para a soberania e a unidade territorial brasileiras, por certo, considerando isso de somenas importância na problemática da Raposa/Serra do Sol.
Ao defender no seu voto a manutenção da reserva nos seus limites geográficos atuais e considerando que os espaços vazios pertencem aos indígenas, mesmo que deles nunca tenham se utilizado, ignorou o ministro como seu deu a formação do povo brasileiro e como foi possível aos nossos antepassados romper a estreita faixa litorânea fixada pela linha das Tordesilhas e alcançar a continentalidade que hoje ostentamos atingindo os contrafortes dos Andes.
Com esse tosco e impatriótico raciocínio todo o Brasil ainda pertenceria aos indígenas e a eles deveríamos retornar o território que supostamente e de forma indevida o povo brasileiro hoje ocupa, devolvendo, por exemplo, à Confederação dos Tamoios e aos seus caciques Cunhambebe e Aimberê, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
No caso da terra indígena em questão, os seus 15.000 habitantes passam a dispor de uma área do tamanho de Portugal, que nem têm como fisicamente ocupá-la, pois de há muito deixaram de ser nômades, se aculturaram e fixaram-se em torno de vilas e povoados dispersos pela imensidão da região que lhes está reservada. De fato e de direito, passam a pertencer ao clube dos maiores latifundiários do País.
No seu parecer, o ministro, demonstrando forte inflexão ideológica e indesejáveis e despropositados preconceitos, arremete violentamente contra os arrozeiros, destruindo-os com incontido ódio e ao definir que todos os não-índios devem deixar, de imediato, a área ignora as centenas de brasileiros que foram para Roraima ao findar do século 19 e início do século 20, verdadeiros bandeirantes e desbravadores, que com o seu suor, e muitas vezes com o seu sangue, mantiveram brasileiras as terras de onde, hoje, estão sendo enxotados.
Se o marco temporal que o ministro fixou foi o ano de 1988, da Constituição, as terras por eles ocupadas não eram indígenas, estavam vazias e a posse por direito lhes cabia. Foi com argumentos falaciosos que o ministro diz serem indígenas as terras de Vila Socó (iniciada em 1908), Vila Angustura (fundada em 1942), Vila Mutum (final da década de 30) e Vila Pereira/Surumu (iniciada em 1905), todas com expressivos agrupamentos humanos multiétnicos dispondo dos equipamentos sociais básicos para sua sobrevivência.
*Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, general-de-exército, comandou a Amazônia e presidiu o Clube Militar
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