O "ópio" do spread do HSBC
(Editorial da revista "Movimento de Solidariedade Ibero-Americana)
O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), Paulo Skaf, provocou uma oportuna e saudável polêmica ao colocar o dedo na ferida da hegemonia do setor financeiro. Em entrevista publicada no jornal O Estado de S. Paulo de 14 de fevereiro, Skaf acusou os bancos brasileiros de praticar agiotagem com os spreads cobrados de seus clientes (diferença entre os juros cobrados deles e os pagos na captação dos recursos). Sem papas na língua, ele citou como exemplo o banco HSBC: "É uma roubalheira. No HSBC, o spread é de quase 50%, e a fonte é o próprio Banco Central, não são coisas inventadas."
Para o presidente da FIESP, tais práticas são inaceitáveis em um momento de crise, tornando-se um caso de polícia: "Tem que ir lá e prender como agiota. Se isso acontecesse há 40 anos, dava cadeia, por agiotagem."
Skaf livrou a cara de algumas instituições, como o Santander, cujo spread no período citado por ele (16-22 de janeiro) foi de 12,7%, e a Caixa Econômica Federal, com 15,2%. "Se esses sobrevivem e ganham dinheiro, por que o outro cobra quase 50%?", disparou.
Procurada pelo jornal, a diretoria do HSBC rejeitou as acusações contra o banco, "que tem uma reputação de solidez e transparência em seus 144 anos de história, tendo sido apontada recentemente como a marca bancária mais valiosa do mundo pelo ranking 500 Global Financial Brands 2009, da revista The Banker, uma publicação do Grupo Financial Times".
Ironicamente, vale recordar que o Hongkong and Shangai Banking Corporation foi criado em 1864, na então colônia britânica de Hong Kong, para atuar como centralizador das receitas do tráfico de ópio, imposto manu militari à China pela vitoriosa Grã-Bretanha. Com a devolução de Hong Kong à China, em 1997, o HSBC transferiu a sede para Londres, mantendo a sua sigla histórica. No mesmo ano, o banco passou a atuar no Brasil ao assumir o controle do Bamerindus, em um episódio até hoje mal esclarecido, que foi um dos marcos da controvertida "globalização" da economia brasileira promovida na década passada. Mesmo sem insinuar aqui que o banco britânico se mantenha fiel às suas origens, podemos dizer que o "ópio" dos juros continua fazendo muito bem aos seus balanços. Pena que não se possa dizer o mesmo da saúde dos setores produtivos da economia nacional.
Mais reações contra a usura bancária
Embora seja cedo para se soltarem fogos, é possível que as manifestações deSkaf tenham representado uma gota d'água na tradicional passividade de outros setores das elites dirigentes nacionais diante do fato. A resposta dos banqueiros veio na forma de uma entrevista do presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) Fábio Barbosa ao "Estadão", publicada na edição do dia 17. O show de arrogância, egocentrismo e desprezo pela inteligência alheia característicos de certos executivos da alta finança foi demais até mesmo para um tradicional defensor dos "mercados", que se pronunciou no dia seguinte com um editorial convenientemente intitulado "Crise boa para os bancos". O texto é auto-evidente e alguns trechos merecem destaque:
"Não esperem a cooperação dos banqueiros para o Brasil enfrentar a recessão global e conter o desemprego. Não há como chegar a outra conclusão depois de ler a entrevista do presidente da Febraban, Fabio Barbosa, publicada ontem no Estado. Ele não o disse com essas palavras, mas o que disse significa que, para ele, se o setor financeiro ganha enquanto o resto da economia enfrenta dificuldades, para que mudar de política? O País foi atingido pelos primeiros impactos da crise no terceiro trimestre de 2008. Desde então o crédito ficou mais caro, porque os bancos ampliaram o spread, isto é, a diferença entre seu custo de captação do dinheiro e o preço cobrado na concessão dos empréstimos. 'O spread no Brasil é o mais elevado do mundo e não tenho como dizer que não é. O spread subiu e não tenho como dizer que não subiu', disse o presidente da Febraban. Mas, depois de reconhecer esses fatos incontestáveis, ele negou qualquer antagonismo entre os interesses do setor financeiro e os da indústria e do comércio. 'Nossos interesses', afirmou, 'são convergentes.'
"O presidente da FIESP, Paulo Skaf, parece não ter notado essa convergência. Se notasse, talvez não tivesse proposto a prisão de banqueiros. (...)
"Confrontado com a questão do spread, o presidente da Febraban respondeu segundo os padrões habituais: o assunto é muito complexo, há muito imposto, muita inadimplência, muito depósito compulsório e muito crédito dirigido. 'A busca de soluções fáceis não vai nos levar a lugar nenhum', assegurou. Mas a resposta-padrão há muito deixou de ser convincente. Convence ainda menos, depois de o Banco Central (BC) ter liberado R$ 99,8 bilhões dos depósitos compulsórios desde o fim de setembro. (...)
"Nenhum dos argumentos apresentados pelos banqueiros para justificar os spreads é convincente...
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