"Risco sistêmico" e lambança bancária
Em 2006 não havia dúvida em Wall Street de que estava para ser furada a bolha hipotecária - pesadelo que os americanos ainda vivem. A suspeita hoje é de que no fim daquele ano os próprios bancos, conscientes da lambança feita, decidiram agravar o quadro para forçar o governo, ante o "risco sistêmico", a socorrê-los - na certa sonhando com um Proer igual ao de FHC e Pedro Malan, que distribuiu bilhões de reais aos bancos tupiniquins. Eu me lembrei do episódio ao deparar em "O Globo", há dois dias, com a foto da alegre vereadora tucana Andréia Gouveia Vieira, ex-Bacha, com meia dúzia de responsáveis por aquela e outras lambanças tucanas - todos condecorados por ela com a medalha Pedro Ernesto. E o que fazem hoje Malan, Edmar Bacha, Gustavo Franco, André Lara Resende e o resto da turma? Por coincidência, são todos banqueiros. Inspirado ou não nos nossos tucanos, o Proer do governo Bush veio. Bancos não têm queixas, mas quem tinha hipoteca em razão da irresponsabilidade dos banqueiros é escorraçado e vê sua casa ir a leilão, sem choro nem vela. Mas volto a esse assunto mais para falar do que acontecia em dezembro de 2006, quando os executivos de corporações, em especial bancos de investimento e corretoras de Wall Street entregavam-se a uma orgia de gastos.
Um ano de trabalho, US$ 54 milhões
Wall Street vivera a partir de dezembro de 2001 uma sucessão de escândalos. Ken Lay, da Enron, morreria na cadeia, seu colega Jeffrey Skilling ainda cumpre pena, outros - Bernie Ebbers (WorldCom), Dennis Kozlowski (Tyco), etc. - viveram problemas semelhantes, nem sempre adequadamente punidos. Nomes de empresas tornaram-se símbolos de fraudes corporativas: Arthur Andersen, Global Crossing, Adelphia, Halliburton, Qwest, Xerox. Organismos federais (como a SEC) que deviam investigar foram incompotentes porque o governo Bush tinha nomeado "raposas para cuidar do galinheiro". A ação contra os ladrões de Wall Street teve de ser feita então pelo procurador geral de Nova York, Eliot Spitzer. As provas contundentes reunidas por ele obrigou os bancos a pagar multas de bilhões de dólares - e esse êxito o levaria depois ao governo do estado, onde foi atropelado por escândalo sexual. A ação vigorosa do procurador geral contra os "colarinho-branco" da elite financeira apanhou gigantes como Goldman Sachs, JPMorgan Chase, Salomon Smith Barney (Citigroup), Merril Lynch, Lehman Brothers, Bear Stearns, Credit Suisse First Boston, Deutsche Bank, Morgan Stanley, UBS Warburg - os mesmos que às vésperas do Natal de 2006 deram bônus milionários a seus executivos. À frente do pelotão, o presidente e CEO da Goldman Sachs, Lloyd C. Blankfein, deu-se de presente US$ 53,4 milhões, perfazendo (com o salário anual de US$ 600 mil) nada menos de US$ 54 milhões por um ano de trabalho. No final do ano anterior Blankfein já se dera US$ 38 milhões. Atribuía a decisão ao "Comitê de Compensação", mas a tramóia é conhecida. O CEO manobra, leva o seu e premia os cúmplices com mais algum.
Ferrari de US$ 250 mil: em falta
Vi uma explicação no programa de economia de Neil Cavuto, que se orgulha, na notória Fox News, de ser tendencioso - como fora Henry Luce - a favor de Deus, do capitalismo e do Partido Republicano (não necessariamente nessa ordem). Daquela vez nem parecia tanto. Botou a boca no trombone: "Ao embolsar a grana, os executivos impedem que ela chegue aos acionistas e investidores", disse. A explicação então era que eles tinham elevado o faturamento. Só que isso fora feito levianamente, com os empréstimos sem colateral que inflavam a bolha. O executivo devia servir ao cliente, mas fazia o contrário - tirava dos que confiaram nele e botava no próprio bolso. Spitzer descobriu memorandos internos escancarando o desprezo deles pelo investidor. Os clientes eram ridicularizados. E o combustível em Wall Street, como se sabe, é cocaína. Assim, quando é maior o lucro de bancos e corretoras os executivos se apressam a botar a mão da mufunfa. Em 2006 o ranking foi assim: 1. Goldman Sachs; 2. Morgan Stanley; 3. Blackstone Group; 4. Lehman Brothers; 5. JP Morgan; 6. Citigroup Investment; 7. Merrill Lynch; 8. Lazard; 9. Credit Suisse; 10. JP Morgan Chase; 11. UBS; 12. Citigroup; 13. Deutsche Bank; 14. Bear Stearns. Hoje sabemos o que houve com o Bear Stearns. O "New York Times" publicou - apropriadamente, no dia de Natal - uma sugestiva reportagem sobre o caso dos "bônus" dos executivos. O título foi: "Tanto dinheiro e tão poucas Ferraris". Explicava que não houve Ferrari 599 GTB Fiorano (US$ 250 mil cada) em número suficiente na revendedora de Greenwich (Connecticut) para atender as encomendas dos executivos de Wall Street.
Apartamentos de US$ 20 milhões
Contou ainda que uma aeromoça vendia vôo fretado em frente à sede da Goldman Sachs. Preço: US$ 30 mil. "É como se fosse seu jato particular", explicou ela a um executivo que se mostrava interessado. Ao mesmo tempo, um corretor de imóveis, de olho na gorda comissão, lamentou não ter conseguido encontrar em Manhattan duas propriedades de US$ 20 milhões encomendadas por altos executivos. Ao mesmo tempo, financistas já instalados em multimilionários apartamentos e "town houses", estavam então comprando apartamentos de US$ 5 milhões para os filhos. E mais: casas de férias, em geral compradas e vendidas na primavera, foram muito procuradas em pleno inverno, inclusive em resorts privados (como o Yellowstone Club, perto do Parque Nacional de Yellowstone, em Montana). Em apenas três semanas, dizia o "Times", uma imobiliária tinha vendido seus quatro últimos apartamentos de Greenwich Village. A venda final foi um de dois quartos e dois banheiros, com uns 200 metros quadrados. Preço: US$ 7 milhões. Uma agente imobiliária contou: "Os executivos sabem que, ou compram agora, imediatamente, ou vai aparecer outro executivo, dar mais dinheiro e ficar com o imóvel". Era esse o clima às vésperas da bolha hipotecária explodir.
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