Em 2007, devido ao PAC, o país voltou a crescer no patamar de 2004, quando, após a elevação do superávit, o BC promoveu a escalada da Selic. Diante de notícias de que o governo estaria discutindo a elevação do “superávit primário” dos atuais 3,8% do PIB para 5%, o ex-ministro José Dirceu lembrou o acontecido em 2004. No início desse ano, relata o então ministro da Casa Civil, o governo fez um acordo com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, para aumentar o “superávit primário” em troca de que os juros não fossem elevados. Assim, aumentava-se a parcela do Orçamento destinada aos juros (“superávit primário”) para que o BC não aumentasse a taxa básica de juros. O então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, já havia, unilateralmente, prometido ao FMI que aumentaria o superávit de 3,75% para 4,25%. Depois, Palocci anunciou outro aumento do superávit - para 4,5%. Em setembro de 2004, o “superávit primário” já estava em 5,29%. Ou seja, acima do aumento acordado com Meirelles e até acima do que se está propondo agora. Porém, a partir daquele mês, o BC começou novamente a aumentar os juros - e que se danasse o acordo feito com o governo.
FREIO
O resultado foi um freio no crescimento. De 5,71% em 2004, ele foi reduzido a 3,16% (2005) e 3,75% (2006). Foram essas taxas de crescimento que o presidente Lula, com razão, chamou de “medíocres”, quando estava preparando o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Somente em 2007, devido ao PAC, conseguimos retomar o patamar de 2004 – o país cresceu 5,42% no ano passado (dados do IBGE). “O ministro da Fazenda, Guido Mantega, lembra-se muito bem como o BC não só aumentou os juros - apesar do compromisso de não fazê-lo, depois da elevação do superávit - como diminuiu, sem o apoio dele (Mantega), a banda da inflação em 0,5%”, escreveu José Dirceu no seu blog, em artigo intitulado “De volta ao passado”.
PRETEXTO
A redução da banda da inflação (a diferença entre o piso e o teto da meta de inflação) tinha como objetivo também aumentar os juros, pois o pretexto para esse aumento é, via de regra, um suposto aumento da inflação. Estabelecer uma meta artificialmente pequena para a inflação é a melhor – e mais cínica – maneira de aumentar os juros, cada vez que a inflação, ainda que inteiramente sob controle, não caiba nessa camisa de força. Esse é o papel das metas de inflação artificialmente baixas. No caso atual, a “banda de inflação” vai de 2,5% até 6,5%, mas, segundo o BC, não basta ficar dentro dela - tem-se que atingir “o centro” da meta, ou seja, 4,5%. Assim, qualquer oscilação de preços, mesmo pontual e localizada, ou que não dependa da economia nacional (caso do preço dos alimentos, determinados pela especulação externa) serve como pretexto para o aumento de juros. Não é surpresa que os mesmos cavalheiros tenham estabelecido que o Brasil não pode crescer mais que 3,5%, porque senão um surto de inflação está a caminho, sendo preciso aumentar preventivamente os juros e estancar o crescimento. Foi o que aconteceu a partir de setembro de 2004 - não porque o país não tivesse condições de crescer mais em 2005 e 2006, mas porque o aumento de juros travou o crescimento. Atualmente, Meirelles está a favor de aumentar o superávit primário. Certamente, ele sempre está a favor de aumentar a cota dos bancos no dinheiro que o povo paga de impostos. Essa é uma cota que todo babaquara neoliberal é favorável. Eles são contra as cotas que beneficiam negros, pobres e outros cuja função é a de pagar impostos para que os bancos externos se apropriem do dinheiro. Além disso, o objetivo de Meirelles, no momento, é frear o crescimento deslanchado pelo PAC – por razões que nada têm a ver com a economia, mas com a política. O que se poderia esperar de um tucano na presidência do BC? Obviamente, ele não tem objeções a que se subtraiam recursos do Orçamento que poderiam ser empregados no crescimento do país. De qualquer forma, aumentar o superávit esperando que Meirelles não aumente os juros não é uma política prudente, como já se comprovou em 2004. Seria mais eficaz substituí-lo no Banco Central – e que o governo retomasse o controle sobre a política monetária, como sempre fez no Brasil antes que Fernando Henrique transformasse o BC numa prebenda para funcionários de bancos externos. Porém, segundo Mantega em declarações na quarta-feira, o aumento do superávit – menos R$ 34 bilhões no Orçamento - ajudaria a combater a inflação, por diminuir os gastos do governo. Tal esquisitice é inteiramente neoliberal. O principal motor do crescimento são os investimentos públicos. Diminuir a capacidade do Estado de realizá-los não é combater a inflação e sim combater o crescimento. É verdade que sem dinheiro não existe inflação. Mas também não existe crescimento e, no limite, num país capitalista, não existe nem mesmo vida humana civilizada. Não há como não concordar com Dirceu quando ele aponta, na questão do aumento de preços dos alimentos que “a solução é obvia, não é elevar o superávit, e sim ampliar a produção de alimentos, diminuir os custos tributários e financeiros da cadeia produtiva e evitar uma maior desvalorização do dólar”.
“FUNDO SOBERANO”
O ministro da Fazenda estava se referindo à constituição de um “fundo soberano”, deixando implícito (ainda que evitando falar claramente) que o aumento do superávit serviria para constituir esse fundo. Em vez de usar parte das reservas, tal como outros países, o nosso fundo seria formado por R$ 34 bilhões do Orçamento – dinheiro que poderia ser investido na produção ou em programas sociais.
Dirceu aponta, sucintamente, que “aumentar o superávit sob o pretexto de viabilizar o Fundo Soberano - que o BC está contra - é o mesmo que não fazer nada, principalmente porque temos R$ 200 bi de reservas e podemos constituir esse Fundo apoiado nelas, sem nenhum problema ou risco”.
Mas, segundo declarou Mantega, os US$ 195 bilhões das reservas continuariam sob o domínio do Banco Central. Por isso, o fundo seria constituído com o dinheiro dos impostos. O objetivo desse “fundo soberano” seria investir fora do Brasil. Mas, para isso, os reais precisariam ser convertidos em dólares. Segundo o ministro, ao realizar essa troca por dólares dentro do país, os reais subtraídos ao Orçamento ajudariam a enxugar a catadupa de moeda norte-americana que aqui entrou, atraída pelos juros altos.
Entretanto, mesmo que se trocassem integralmente os R$ 34 bilhões por dólares, isso pouco influenciaria o câmbio, que no momento é a principal dificuldade da balança comercial, já que o excesso de dólares – que vêm ao país para obter lucros com a especulação provocada pelos mais altos juros do mundo – fazem com que o real se valorize, tornando mais caras as exportações e mais baratas as importações. Ou seja, o problema do encarecimento de nossas mercadorias vis-a-vis um barateamento das mercadorias estrangeiras não seria resolvido pelo aumento do superávit e sua aplicação nesse “fundo soberano”.
Além disso, muito mais lógico para resolver o problema do câmbio – para não falar no problema principal, o do crescimento – é baixar os juros. Nas palavras de Dirceu, “hoje, enquanto os juros baixam ou ficam estagnados em todo o mundo, no Brasil pagamos 7,25% de juros reais para os títulos da dívida pública, o que nos custa R$ 150 bi de serviço da dívida interna por ano”. Exatamente esse é o problema a resolver, para que seja mantido o crescimento e o país não afunde outra vez debaixo de algum lacaio tucano. Foi o crescimento que fez de Lula o presidente mais popular desde Getúlio e Juscelino.
CARLOS LOPES
Esta matéria está no Jornal "Hora do Povo"
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