domingo, 25 de maio de 2008

Indústria Farmacêutica



Brasil investe pouco em inovação
Por Carolina Justo

No final de abril, os jornais noticiaram a intenção do governo federal de fomentar a criação de uma mega-indústria farmacêutica no Brasil, com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O intuito seria alavancar a inovação farmacêutica nacional, através da pesquisa e produção de novas moléculas, fármacos e outras matérias primas, para medicamentos já conhecidos e ainda por inventar. Pesquisadores ressaltam que papel do Estado é fundamental para conciliar a política de saúde com a política industrial. Contudo, o investimento público não é suficiente para que as empresas brasileiras despontem como inovadoras e competitivas. O sucesso dos genéricos mascara um problema: a indústria nacional de medicamentos investiu pouco em inovação.
O baixo investimento privado em inovação é considerado como principal fragilidade da indústria nacional. A inovação é considerada imprescindível para reduzir a importação de medicamentos, gerar mais empregos, oferecer remédios de melhor qualidade e atender às novas demandas, o que traria à tona um comprometimento da indústria com a saúde da população brasileira. Os impactos e limites da política de genéricos foram analisados por estudo publicado no último número da revista Ciência e Saúde Coletiva.

Maior acesso a remédios

A avaliação da política de incentivo à produção de medicamentos genéricos, realizada por Carlos Gadelha e Cristiane Quental, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fiocruz, por Jussanã Abreu, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e por José Vítor Bomtempo, da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revela êxito. O principal deles, em termos de saúde pública, foi a ampliação do acesso da população a remédios e tratamentos que antes não tinha condições de pagar. Para serem introduzidos no mercado, a partir de 1999, os genéricos deviam custar cerca de 40% menos que os remédios de marca dos quais são “cópia”, patamar de preços que se manteve entre 2000 e 2003, segundo levantamento da Anvisa. Além disso, a qualidade dos medicamentos passou a ser garantida através do monitoramento da produção e certificação da agência.


A Anvisa também credenciou laboratórios para realizar testes de equivalência farmacêutica e bioequivalência, que asseguram que os genéricos têm as mesmas propriedades e efeitos dos remédios de marca, podendo substituí-los perfeitamente. Segundo o estudo, a exigência destes testes e pesquisas levou à criação no país de uma infra-estrutura de serviços tecnológicos para apoio à indústria. Em 2006, eram 26 os centros de bioequivalência, e 39 os de equivalência farmacêutica certificados pela Anvisa.

Crescimento da indústria nacional

Desde que foi aprovada a lei federal n.º 9.787/99, as indústrias farmacêuticas nacionais, que se dedicaram à produção de genéricos, ganharam competitividade no mercado interno. Elas também foram as principais beneficiadas por dois programas criados pelo BNDES a partir de 2001: para apoio à produção e registro de medicamentos e para apoio à importação de equipamentos.
Segundo Abreu, “as líderes de mercado de medicamentos genéricos, Medley, EMS, Eurofarma e Biosintética, que modernizaram suas plantas industriais e incrementaram a capacitação tecnológica, fizeram frente às empresas de grupos multinacionais instaladas no país”. Como resultado, “pela primeira vez em décadas, as empresas brasileiras aumentaram sua participação no mercado nacional de medicamentos, mantendo no país os empregos e renda gerados”, afirmam os autores. Em 2003, a EMS Sigma Pharma já aparecia, junto com a Aché, também nacional, entre as dez empresas líderes de mercado do conjunto da indústria farmacêutica no Brasil; em 2007, duas outras empresas nacionais e líderes dos genéricos – a Medley e a Eurofarma – também passaram a compor este ranking.
Para Geraldo Biasoto Júnior, professor de economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor da Fundação do Desenvolvimento Administrativo do Estado de São Paulo (Fundap), “a política de incentivos e a publicidade dos genéricos deram grande impulso às indústrias que não estavam na ponta”. Biasoto Jr., que foi secretário de gestão de investimentos do Ministério da Saúde no governo Fernando Henrique Cardoso, acrescenta que a introdução dos genéricos “foi uma forma de impactar o mercado muito decisiva, porque o induziu a produzir medicamentos de qualidade, que podem até entrar no mercado mundial”. Apesar desta potencialidade, apenas duas empresas nacionais, Medley e EMS, do conjunto estudado por Quental e seus colegas, pretendem exportar genéricos. As exigências sanitárias internacionais, os altos tributos e riscos das exportações são apontados como desestimulantes pelas empresas.

Avanços e limites

Os investimentos em recursos humanos, processos e infra-estrutura tecnológicos, necessários para obter a certificação para produção de genéricos, assim como os lucros advindos do aumento do consumo, propiciaram às indústrias nacionais suporte para a pesquisa, desenvolvimento e inovação, requisitos fundamentais para competitividade no mercado mundial. “A empresa ganha em dimensão e qualidade, mas se vai dar um salto qualitativo para gerar inovação, não dá pra saber”, pondera contudo Biasoto Jr. Apesar da política de genéricos ter gerado condições favoráveis, não tem controle sobre as decisões de investimento. “Uma política pública que vá tentar gerar uma ação privada é sempre duvidosa”, comenta ele sobre a incerteza inerente a políticas de incentivo à atividade industrial.
As empresas estudadas por Quental, Abreu, Gadelha e Bomtempo, por exemplo, não explicitaram interesse em investir nas pesquisas para descoberta de novos medicamentos, nem na produção de matérias-primas e fármacos intermediários de síntese de remédios, que atualmente precisam ser importados. Segundo os pesquisadores, são segmentos de atuação muito diferentes daquele a que as empresas de genéricos estão acostumadas. Segundo eles, esperar destas empresas investimento em inovação não é muito plausível. “Apesar dos avanços em tecnologia que requereu das indústrias, o genérico ainda assim é uma cópia”, lembra Biasoto Jr. Inová-lo implicaria em deixar de ser genérico. A empresa teria que se dispor a criar ou disputar uma fatia incerta do mercado. Aquela já abocanhada pelo genérico é mais confortável. A inovação, entretanto, é a base da competitividade mundial, mesmo com os elevados investimentos e riscos a ela associados.
Para os pesquisadores, embora seja difícil conciliar a política de saúde com a política industrial, a integração entre elas, além de necessária e de dever ser buscada, é também possível, como atesta a experiência da política de incentivo aos medicamentos genéricos, com seus êxitos e limitações.

Esta notícia está em:
http://www.comciencia.br/comciencia/?section=3&noticia=449

Nenhum comentário:

Postar um comentário