segunda-feira, 26 de maio de 2008
Engenheiro agredido por índios fala ao Fantástico
O engenheiro atacado por índios kayapós na Amazônia fala pela primeira vez sobre a agressão que sofreu. E os repórteres do Fantástico foram até Redenção, no Pará, e entrevistaram os responsáveis pelo ataque.
Durante dois dias nossa equipe de reportagem esperou pelo grupo de índios que voltava do encontro em Altamira, Pará. Eles estavam reunidos com representantes do governo e da Eletrobrás para discutir a instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu.
Acompanhados por lideranças indígenas, fomos até a sede da Funai na cidade de Redenção, 700 quilômetros ao sul de Belém, para o encontro com os kayapós, que são conhecidos como um povo guerreiro. Ao todo, eles são mais de sete mil, e vivem no sul do Pará e no norte de Mato Grosso.
Os índios surgem em fila e fazem um ritual: chorar e abraçar a família. As mulheres estão pintadas. Trazem facões, parte da tradição da tribo. Formam um círculo, cantam e dançam. Entre elas, Tuíra. Tuíra é testemunha de que a tensão provocada pela proposta de construção da usina é antiga. Ela é a índia que, em 1989, encostou um facão no rosto do engenheiro José Antonio Muniz Lopes, hoje o presidente da Eletrobrás.
O projeto atual da hidrelétrica, que ainda está em fase de licenciamento ambiental, prevê a inundação de 440 quilômetros quadrados do Rio Xingu, no sudoeste do Pará. A hidrelétrica vai ser a segunda maior a atender os brasileiros. De acordo com o PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, a obra deve começar em 2010. Mas a Constituição exige que os índios sejam consultados.
Na língua kaiapó, a índia Tuíra pede que o governo Lula ouça os índios que não querem a barragem.
Também conversamos com Ireô, o índio que aparece comprando facões na véspera do ataque.
“Eu entrei, procurei o facão que eu quero, de 20 polegadas, 18 polegadas. Eu quero, escolhi, comprei pra completar. Entreguei pra índia pra defender na guerra, no canto, no nosso direito”, diz Ireô, líder indígena.
As duas outras pessoas que aparecem nas imagens são José Cleanton Ribeiro, coordenador do Conselho Indigenista Missionário da região do Xingu; e um dos organizadores do evento.
Fantástico: Qual a explicação que você pode dar para a gente sobre o que aconteceu e o ambiente em que as coisas aconteceram?
Ireô: O que aconteceu em Altamira não é de hoje, nem de manhã, de agora. Estamos procurando nosso direito, defendendo nosso filho, neto e mato. O governo tem que saber, tem que lembrar do índio, o primeiro habitante é o índio. O governo quer pensar que é todo, querem passar por Deus, querem as coisas todas dele. E mandando fazer a barragem".
Ireô confirma que foi um dos que agrediram o engenheiro. Mas justifica a agressão.
“Esse engenheiro, ele chegou, foi, explicou muita coisa diferente, muito mal. Ele agrediu os kayapós, ele agrediu o pessoal ali no evento. Engenheiro falou coisa mal demais e nós não entendeu. Eu peguei na camisa dele, rasguei a camisa, eu sabendo que ele tava muito mal, falando da Funai, falando nos índios, índio não é assim, que temos que aceitar a barragem. Eu briguei, tirei a camisa”.
Ireô nega, porém, que tenha sido ele o autor do corte no braço do engenheiro.
Fantástico: Foi você quem cortou ele?
Ireô: Eu não vi, não vi, muita movimento naquela hora.
Ireô também nega que os kayapós tenham agido por influência de pessoas ou organizações.
"Não tem índio manipulado, não tem indio falso ali na reunião não. Foi kayapó, foi pessoal do Xingu, nós pessoalmente lá. Não fomos manipulados não”.
A Polícia Federal está investigando o ataque e vai mandar o vídeo para a perícia. Pela lei brasileira, índios que já estejam habituados ao convívio com o restante da sociedade não são mais imunes às leis.
De acordo com o delegado que coordena a investigação, ninguém foi indiciado ainda. É preciso esclarecer uma dúvida.
"Se facão faz parte da cultura do indígena kayapó ou se é um instrumento que, na verdade, serve para os kayapós em momentos como esse intimidar ou ameaçar, constranger aqueles que divergem da postura que eles adotam", declara Jorge Eduardo Oliveira, delegado da Polícia Federal.
Sobre a possibilidade de serem indiciados pela agressão ao engenheiro, o índio diz não temer a lei do homem branco.
“Quero ver ele mandar prender nós, índio kayapó de todos lugares”.
E avisa: o ataque ao engenheiro pode não ser o último se o projeto de Belo Monte continuar.
“O governo brasileiro está criando guerra mundial, primeiro guerra mundial aqui no Brasil, vai acontecer. Quer fazer barragem , nós estamos indo pra brigar mesmo”, ameaça Ireô.
Patrícia Poeta conversou no Rio de Janeiro com o engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende. Cinco dias depois do encontro em Altamira, ele aceitou falar sobre o que aconteceu.
Fantástico: Paulo, você pode relatar como as coisas aconteceram na terça-feira?
Paulo Fernando Rezende: Nós fomos convidados para fazer uma palestra num painel chamado “Belo Monte e as usinas do Rio Xingu”, que nós iríamos falar dos estudos que estamos desenvolvendo na região do Rio Xingu. Começamos a falar das características dele, que vai haver impacto, não tem como negar que há impacto paraa região e para a sociedade, e quais são os benefícios que esse empreendimento poderá trazer também. Porque todo aproveitamento tem a parte de impacto e os benefícios que ele poderá trazer.
Fantástico: Pelas imagens parece que no primeiro momento a conversa foi amistosa. Mas depois o clima foi esquentando até acontecer a agressão. Por que você acha que aconteceu aquilo tudo? O que causou isso?
Paulo Fernando Rezende: Na minha apresentação, eu acho que não aconteceu nada, simplesmente reação da platéia, há movimentos contrários à usina, então eles aproveitaram para fazer essa reação me vaiando. Quando o terceiro palestrante estava falando, uma índia veio em minha direção, passou o facão na minha frente e voltou pro lugar dela. Em seguida, vieram todos os índios, começaram a cantar, dançar e vieram pra cima de mim.
Fantástico: Pelas imagens tem um momento em que eles cercam você e você desaparece. O que você fez naquela hora? Qual foi sua reação logo depois que eles cercaram você e começou a agressão?
Paulo Fernando Rezende: Eles me puxaram pela camisa, eu caí no chão, no que caí no chão eu tratei de me proteger, levantando as pernas e apoiando a mão em cima da cabeça. Eles começaram a me bater com borduna, me cutucar e eu não vi nem que me acertou o facão, nem senti dor na hora, só depois que eu parei que vi que tinha um corte aqui.
Fantástico: Qual foi o momento mais tenso para você?
Paulo Fernando Rezende: O momento tenso foi quando eles começaram a puxar a camisa, que eu senti que algo estava descontrolado. Não era aquela manifestação apenas contrária ao investimento. Passou para um ato de violência, que eu realmente não estava esperando. Na realidade não sei nem quantos minutos foram aquilo, pra mim foi uma eternidade. Mas na hora você não pensa em nada, só pensa em se defender.
Fantástico: Pela imagem, dar para ver um corte profundo no braço. Quantos golpes de facão você levou?
Paulo Fernando Rezende: Que eu saiba, só tem esse corte aqui. Tem hematoma no tornozelo, hematoma na costela, alguns na canela. Mas de borduna, que é dor. Graças a Deus, eu não quebrei nada. Só tenho, realmente, essa cicatriz, que vai ficar pro resto da vida, não tem jeito.
Fantástico: Você levou seis pontos. Depois que tudo isso aconteceu, como é que você contou para sua família. Você ligou?
Paulo Fernando Rezende: Liguei. Contei pra minha esposa, rapidamente, porque ainda tava no hospital. “Fica tranqüila, estou no hospital levando os pontos, mas estou bem. Aconteceu um incidente aqui no evento”.
Fantástico: E qual foi a reação deles?
Paulo Fernando Rezende: Não querem que eu volte mais. Mas isso a gente conversa, explica que a região de Altamira não tem nada a ver com esse assunto, foi um incidente que ocorreu.
Fantástico: O que você espera que aconteça com o índio ou os índios que atingiram você naquele dia?
Paulo Fernando Rezende: Eu, sinceramente, espero que não aconteça nada. Não vejo nenhuma culpabilidade direta deles nesse assunto. Pode parecer estranho...
Fantástico: Mas você pensa em punição?
Paulo Fernando Rezende: Há a Justiça para isso. Eu não sou juiz, nem sou advogado, eu sou engenheiro. O que a Justiça decidir deverá ser feito.
Fantástico: Para algumas comunidades da Amazônia, esse projeto é inaceitável do ponto de vista ambiental.
Paulo Fernando Rezende: O que nós estamos fazendo desde 2005 é estudar essa questão sócio-ambiental. Não é uma questão só ambiental, é uma questão social da região. A nossa visão é que a gente tem avançado no projeto. O que estava planejado no passado, que ocorreu lá em 89, 90, mudou totalmente. Qual é a solução hoje? Nós não temos. Primeiro porque a solução a gente tem que levar uma proposta, discutir com a sociedade para ver se aceita e aí a gente vai caminhar. Também não posso dizer: ‘Você vai sair daqui’, ‘você vai prali’. Isso tudo vai ser discutido lá. É o nosso compromisso.
Fantástico: Você traz no corpo uma marca, uma cicatriz do conflito. Você acha que há um caminho para conciliar as duas coisas?
Paulo Fernando Rezende: Tenho certeza disso. A certeza nossa é a informação. É disponibilizar todas as informações sobre tudo que você está fazendo, sobre todos os estudos que estão sendo desenvolvidos. E dialogar. Não existe outro caminho para isso, temos que ir na região, nos comunicar com a comunidade. Tenho certeza que dialogando, conversando, a gente vai chegar num bom nesse processo.
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