Por Said Barbosa Dib*
Complexo do Rio Madeira: integração da América Latina
Lembro-me que até bem pouco tempo, o Presidente estava ainda melindrado e tímido ante o aparato ambientalista. Entre os dias 4 e 6 de maio de 2006, por exemplo, houve em Porto Velho (RO) um encontro para sabotar o Complexo do Rio Madeira, constituído, em sua primeira fase, de duas hidrelétricas (Jirau e Santo Antônio, com aproximadamente 6,5 mil MW juntas) e uma hidrovia com aproximadamente 4,2 mil km de extensão. O evento contou com patrocínio do mesmo aparato de sempre: Ford Foundation, C.S. Mott Foundation e Heinrich Boell Foundation (do Partido Verde Alemão). Chamaram aquilo de "Viva o Rio Madeira Vivo". O comando das operações anti-desenvolvimento ficou a cargo da Friends of the Earth (Amigos da Terra), ONG transnacional com sede em Amsterdã (Holanda); Havia também ONGs auxiliares, como a International Rivers Network, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e outras entidades locais manipuladoras dos inocentes úteis de sempre: seringueiros e índios. Na prática, o mesmo time responsável pelo atraso de anos na implantação dos gasodutos Urucu-Manaus e Urucu-Porto Velho. O cômico disso tudo – pra não dizer trágico - é que a tal Friends of the Earth (Amigos da Terra) é sediada na Holanda, país que tem mais de 60% de seu território tomados do mar. Por que não fazem campanha para devolver aos animais e plantinhas marinhas aquele imenso território?
Mas, voltando ao assunto, embora o discurso se concentrasse nos índios e nos animais, havia uma preocupação maior do que o impacto ambiental do complexo. A apreensão daquelas organizações era a possibilidade de que o processo de integração sul-americana passasse a ser uma realidade. Eles queriam evitar o que ficou conhecido como “Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana” (IIRSA), estabelecida na Cúpula de Brasília, em 2000, que previa investimentos em infra-estrutura voltados para a integração dos países da região. Por isso mesmo, os temas tratados não se concentraram nos impactos ambientais. Trataram de coisas como "Os Grandes Projetos na Amazônia - Desvendando a articulação entre a IIRSA, acordos comerciais e instituições financeiras; "Os projetos de infra-estrutura projetados para a Amazônia, o eixo Brasil-Peru-Bolívia da IIRSA" e "O mega-projeto Rio Madeira como peça-chave da IIRSA", este último apresentado por Alcides Faria, da ONG ECOA e que também coordena a Coalizão Rios Vivos, rede de ONGs anti-hidrovia Paraguai-Paraná criada pelo WWF.
Eles tinham consciência de que a função estratégica do Complexo do Rio Madeira era – e é - a consolidação de uma via de integração internacional fluvial, afetando diretamente a logística de transporte, barateando preços e permitindo o desenvolvimento socioeconômico das regiões de Madre de Dios (Peru), Rondônia (Brasil), Pando e Beni (Bolívia). Ou seja, a tão sonhada integração sul-americana, que poderá trazer desenvolvimento, impostos, emprego e renda para todos os países. Como no caso recente do Belo Monte, no Pará, quando um engenheiro foi agredido, o "fator indígena" foi usado como estratégia para tentar barrar, via Ministério Público, qualquer empreendimento de porte na Amazônia. Por isso, não faltaram "líderes” indígenas nervosos, bradando em suas línguas nativas, gritando palavras de ordem contra o Complexo: "Nós estamos aqui para dizer para o governo que nós não queremos que sejam alagadas nossa terra, nossa história, nossos parentes enterrados", resumiu Antônio Papá Gavião. O então governador do Acre, Jorge Viana, homem do time de dona Marina Silva, firmou posicionamento contrário à implantação de uma hidrovia no rio Madeira que, para ele, causaria uma ocupação desordenada na região: "Se construírem a hidrovia, ninguém segura a grilagem e o desmatamento", disse o governador, reconhecendo que ele estava ali não para atender ao desenvolvimento de seu povo, mas para barrar qualquer processo de desenvolvimento socioeconômico na região.
Naquele momento, Lula parecia ainda não se dar conta do absurdo que eram os entraves dos ambientalistas ao desenvolvimento. O PAC ainda não havia sido gestionado. Ou seja, Lula não tinha projeto algum de desenvolvimento. Por isso, não compreendia ainda o que representava, na prática, a atuação nefasta de figuras como Marina Silva e sua turma de ambientalistas estrangeiros incrustados no MMA. Num pronunciamento que fizera na inauguração da hidrelétrica “Eliezer Batista-Aimorés”, em Minas Gerais, mostrou que ainda estava amarrado pelas concepções malthusianas e ambientalistas fanáticas de seus auxiliares. Mas, no íntimo, sabia que havia algo de errado naquela história toda. Por isso, lamentou que a construção de Santo Antônio e Jirau seria uma "guerra" e disse acreditar que, dificilmente, seria autorizada a construção de mais de 6 mil MW em Belo Monte: "O Ministério de Minas e Energia vai querer fazer as usinas, enquanto o Meio Ambiente vai exigir o cumprimento da lei", declarou em seu discurso, isentando os "órgãos ambientais" pela demora na liberação de licenças ambientais.
Para não deixar dúvidas de sua resignação, Lula fez uma comparação com Itaipu, marco da engenharia nacional e até há pouco tempo a maior hidrelétrica do mundo: "Hoje, não construiríamos Itaipu", disse o presidente ao mencionar que, atualmente, haveria uma série de manifestações do aparato ambientalista internacional que impediriam a sua construção.
Felizmente, hoje, Lula está fortalecido. Parece que a experiência que adquiriu nestes anos e os números das pesquisas de aprovação de seu governo lhe deram força para seguir adiante. Com este fato, aliado à determinação de Lobão em fazer acontecer os investimentos previstos pelo PAC – e, lógico!, ao afastamento da deletéria senhora Marina Silva do Meio Ambiente -, as coisas estão andando. Mas, como dizia Catão na Roma Antiga, “leão ferido dá mordeduras mais violentas”. O aparato ambientalista, financiado pelas transnacionais estrangeiras, justamente por saberem que as coisas estão andando, acirrarão ainda mais os conflitos em regiões em que há investimentos previstos. Utilizarão os seus ecoterroristas e pseudo-defensores de índios numa cruzada cada vez mais violenta. Procurarão mártires, fabricarão vítimas, incitarão à violência, como se viu na semana passada no Pará. Qualquer leitor razoavelmente bem informado sabe que, no Brasil, a eletricidade gerada a partir de termelétricas é bem mais cara e danosa ao meio ambiente que a de hidrelétricas, incluindo-se os custos de transmissão. Porém, sob o ponto de vista estratégico e até ecológico, muito mais importante que o preço é a disponibilidade de um combustível poluidor (derivados de petróleo, no caso), cuja comercialização está sujeita a forte ingerência geopolítica dos EUA. Não é o caso das hidrelétricas. E por isso, tentam impedi-las.
Biocombustíveis. Cuidado, Lobão!!!
Mas, se Lobão vem se saindo muito bem quando o assunto é a hidroeletricidade, parece que tem que melhorar muito com relação aos biocombustíveis, menina dos olhos do Presidente Lula, quando fala no exterior. A verdade é que estamos todos no mesmo barco: com uma necessidade premente de substituir os combustíveis fósseis por alternativas renováveis. O potencial brasileiro para exploração do álcool combustível agita o oceano de negócios em todo mundo. Mas, segundo o grande Bautista Vidal, engenheiro e físico apaixonado pelos biocombustíveis, em especial pelo etanol, o Brasil tem um enorme potencial, mas está sem leme. Segundo ele, não há nenhuma instituição cuidando rigorosamente da energia renovável. Sem uma estrutura que determine a direção da proa brasileira, o Estado não conseguirá ajudar os pequenos agricultores, desenvolver tecnologia e abrir o mercado externo. Vidal defende a criação de uma empresa de economia mista para gerir o álcool – como temos a Petrobras para o petróleo – para que o barco não fique à deriva, navegando ao sabor dos ventos das grandes corporações que querem dominar o setor. Bautista Vidal foi o pai do Proálcool, no governo Geisel, e faz severas críticas à condução do governo Lula neste assunto, principalmente à “parceria” com os Estados Unidos; à possibilidade de transformação do álcool em commodity, que considera uma deformação brutal; e à aposta nos transgênicos de biocombustíveis.
Em entrevista à revista “ComCiência”, já publicada na íntegra neste Blog, ele advertiu: “Bastaria o governo criar uma demanda organizada e dar mais atenção à questão energética. O governo está falando muito, mas não está fazendo nada. Não há nenhuma instituição cuidando rigorosamente da energia renovável. Quando nós quisemos entrar na era do petróleo criamos a Petrobras. É preciso criar um organismo do Estado para ajudar os pequenos agricultores, desenvolver tecnologia, abrir o mercado externo, porque o mercado de energia renovável é mundial. Está faltando uma instituição que conheça com profundidade as peculiaridades do setor e que possa ajudar o pequeno produtor. Por exemplo, o Lula foi para os EUA, esteve em Camp David, quem o assessorou? Não teve nenhuma instituição que desse para ele as informações corretas. Até nessa chamada “parceria” com os EUA, nós entramos com tudo e os americanos entram para dominar, para controlar o mercado externo, controlar o setor. Como eles já fizeram com a soja, com o leite e com o petróleo, em termos mundiais. Dominando a distribuição, eles dominam o setor. Agora, o grande risco, que já está acontecendo, é o da compra de terras e usinas, porque o Brasil é o único território capaz de produzir energia renovável em grandes proporções. Nós vamos ser apenas o local onde o álcool será explorado por corporações estrangeiras, que vão distribuir esses combustíveis a nível mundial”.
*Said Barbosa Dib é historiador e analista político em Brasília
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