segunda-feira, 26 de maio de 2008

Enquanto se discute a Soberania na Amazônia, Carta Capital mostra a recriação da IV Frota dos EUA no Atlântico Sul. Éééé...




Novos jogos de guerra
Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa

Em 11 de maio, à véspera de oficializar a reestatização da siderúrgica Ternium Sidor (adquirida em 1998 pelo grupo argentino Techint), Hugo Chávez acusou o colombiano Álvaro Uribe de “querer uma guerra por estar jogando o jogo que lhe ordenam dos Estados Unidos”.
Dois dias antes, o ministro da Defesa colombiano, Juan Manuel Santos, afirmara que Iván Márquez, um dos dirigentes das Farc, estava na Venezuela e voltou a acusar Caracas de apoiar “terroristas”. Desde março, o governo da Colômbia vaza, a conta-gotas, trechos selecionados de arquivos supostamente encontrados em laptops tomados após o ataque colombiano de 1º de março, que massacrou Raúl Reyes e seus guerrilheiros em território equatoriano, interpretados de maneira a sugerir apoio financeiro e militar da Venezuela e do Equador à guerrilha. Chávez igualou as alegações de Bogotá aos documentos e indícios sobre inexistentes “armas de destruição em massa” forjados por Washington e Londres para justificar a invasão do Iraque.
As ansiedades de Caracas têm sido alimentadas também pelo Pentágono, que em 24 de abril anunciou que, a partir de 1º de julho, será recriada a IV Frota, com sede na Flórida e especialmente destinada aos mares latino-americanos – embora o ministro da Defesa brasileiro, Nelson Jobim, tenha se adiantado a dizer que ela não entrará em águas territoriais brasileiras sem autorização.
A IV Frota foi criada em 1943 para caçar submarinos alemães e em 1950, em pleno auge da Guerra Fria, foi considerada desnecessária e incorporada à II Frota, responsável pelo Atlântico. Recriá-la hoje é ameaçar explicitamente Chávez e seus aliados. Os EUA já tinham seis frotas ativas e não precisam de mais uma apenas para combater o narcotráfico e oferecer ajuda humanitária, conforme foi alegado no ato da recriação.


Ainda que o navio-hospital Comfort tenha sido designado como capitânia, em um futuro próximo o núcleo da frota poderá ser o superporta-aviões George H. W. Bush (Bush pai). Em fase final de construção, entrará em operação no próximo ano e pode substituir, com vantagem, a base aérea de Manta, cuja concessão aos EUA termina em 2009 e o Equador recusa-se a renovar.
A médio prazo, a nova frota pode representar uma ameaça constante aos governos da região. A curto, serve como mais um respaldo a Uribe, que enfrenta dificuldades crescentes. Algumas delas devidas ao próprio Congresso dos EUA, que reluta em aprovar o acordo de livre-comércio que tem sido a prioridade da política externa colombiana, mas as internas são mais sérias.
Acumulam-se revelações sobre o envolvimento de seus parentes, generais e aliados políticos com os paramilitares que, supostamente “desmobilizados” em 2005, continuam assassinando sindicalistas, líderes de movimentos sociais e camponeses. Em 22 de abril, depois de ter o asilo recusado pela embaixada da Costa Rica, foi preso Mario Uribe Escobar, primo-irmão do presidente, que foi senador e presidente do Congresso até ser obrigado a renunciar em outubro de 2007. O presidente da Suprema Corte, César Julio Valencia, revelou que o presidente Uribe lhe telefonara em setembro para se queixar da investigação sobre o primo. O governante, em represália, denunciou-o por calúnia.


Desde 18 de abril, a Corte também investiga Nancy Patricia Gutiérrez, sucessora de Mario como presidente do Congresso e em 3 de maio foi preso Ricardo Elcure Chacón, que o substituiu em sua cadeira no Senado. Em um Congresso de 268 integrantes, 33 estão atrás das grades e outros 32 investigados ou processados, quase todos uribistas.
Foi para dificultar essas investigações que, em 14 de maio, Uribe extraditou para os EUA 14 paramilitares detidos por narcotráfico, inclusive Salvatore Mancuso, autor de muitas das denúncias que levaram à investigação de políticos uribistas – precisamente quando haviam começado a ser formalmente interrogados. Nos EUA, o julgamento se concentrará nas rotas de narcotráfico e não nas atrocidades perpetradas para apoiar políticos da base de Uribe, que incluem a chacina de pelo menos 3,5 mil oposicionistas.
Se há algum ruído capaz de abafar tais escândalos no mercado interno, é o espantalho da aliança das Farc com Chávez e Correa, até mesmo enquanto este último viaja pela Europa e colhe elogios de Zapatero e Sarkozy por seus esforços de mediação.
Chávez denuncia os arquivos como uma armação dos EUA com apoio de Bogotá e funcionários da Interpol, que nos próximos dias deverá divulgar seu parecer, provavelmente positivo, sobre a autenticidade dos laptops. Mas a gravidade do caso não está no que os arquivos dizem por si – muito pouco –, e sim a interpretação construída por Bogotá e pelos jornais uribistas.
Uma carta aberta assinada por 21 analistas e cientistas de universidades e institutos de relações internacionais advertiu os meios de comunicação dos EUA: mesmo que os arquivos sejam autênticos, nada do que foi divulgado sustenta a tese da ligação da Venezuela ou do Equador com as Farc. Apontou, além disso, para os esforços sistemáticos de Bogotá para distorcer seu conteúdo. O fundamento para acusar Chávez de dar apoio material às Farc é a alegação de que a pessoa referida nos arquivos de Reyes como “Ángel” é o presidente da Venezuela. Mas os textos encontrados citam Ángel e Chávez como pessoas distintas, às vezes no mesmo parágrafo.
A noção de que a Venezuela forneceu ou pretendeu fornecer 300 milhões de dólares à guerrilha baseia-se em uma só passagem de uma carta de 23 de dezembro, enviada por Reyes ao secretariado das Farc: “Com relação aos 300, que de agora em diante chamaremos ‘dossiê’...”. Em parte alguma encontra-se qualquer informação para sustentar que isso se refere a milhões de dólares e não, por exemplo, a reféns, contatos, alvos ou qualquer outra coisa.
Os autores endossam a análise de Adam Isacson, da ONG Centro para Política Internacional, segundo a qual as mensagens entre guerrilheiros sobre Chávez e da Venezuela indicam uma relação distante, ainda que cordial, até o outono (do Hemisfério Norte) de 2007, quando Caracas começou a participar das negociações sobre reféns. O próprio secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, afirmou categoricamente ao subcomitê da Câmara dos EUA sobre relações com a América Latina, que não há evidência de ligação da Venezuela com os rebeldes colombianos.
Além disso, os especialistas, encabeçados por Charles Bergquist, da Universidade de Washington, e Larry Birns, da ONG Conselho sobre Assuntos Hemisféricos, sublinham que outras afirmações das autoridades colombianas sobre os laptops já se mostraram falsas. É o caso da suposta foto de um encontro de líderes das Farc com um funcionário do gabinete equatoriano e a alegação de conspiração da guerrilha para construir uma “bomba suja”, esta última foi abertamente desmentida pelos EUA.
A matéria-prima da “bomba” seriam alguns quilos de urânio empobrecido (depleted uranium ou DU), material muito usado pelo Pentágono em projéteis (como os disparados pelos bombardeiros A-10 e helicópteros Apache) e na blindagem de tanques. Desde a Guerra do Golfo de 1991, esse material foi despejado às centenas de toneladas no Iraque, Bósnia e Kosovo. Veteranos solicitaram indenizações por doenças e filhos defeituosos atribuídos a seu contato com DU e o Pentágono as negou, apoiando-se na evidência científica de que a radioatividade desse material não é significativa. Tanto que é usado como proteção contra radiação em equipamentos de radioterapia e radiografia.
Continua a polêmica sobre os riscos toxicológicos do DU a longo prazo, mas certamente não serve como “bomba suja” e o Pentágono, depois de décadas a convencer soldados e tribunais de que o material é inofensivo, não pode deixar a Colômbia apontá-lo como arma de destruição em massa. Apesar dos receios de Chávez, Uribe deve ter decidido imitar Colin Powell e Tony Blair sem autorização de Washington. É difícil acusar a CIA de erro tão banal.


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