terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Ipojuca Pontes

Arnaldo, o Palhares

Porque estou escrevendo um livro sobre as relações do cinema brasileiro com Estado, fui ver se encontrava no Google algum depoimento ou escrito meu sobre o assunto. Embora faça pouco uso dos serviços da internet, é patente que o Google virou um instrumento de consulta insubstituível e obrigatório. Ele tem de tudo em matéria de informação e, hoje, como é sabido, nada - ou quase nada - lhe escapa. Lá, numa entrada do site Sesc Ipiranga, encontrei a seguinte confissão de Arnaldo Jabor: “Em março de 1990, Collor e seu fiel escudeiro, Ipojuca Pontes, transformaram o cinema brasileiro num pesadelo. Meus projetos foram de água abaixo. Me vi sem tostão no bolso e tive de procurar emprego. Foi o jornalismo que me fez voltar a comer em 1991. E eu tenho de agradecer pela descoberta dessa vocação oculta em mim”. Muito bem, vamos por etapas. Em primeiro lugar, convém esclarecer ao leitor que só um cretino perfeito, ou pessoa que em nada me conhece, diria que eu sou, fui ou serei “escudeiro” de qualquer coisa ou de quem quer que seja. Feliz ou infelizmente, um dos dados componentes de minha personalidade, para o bem ou para o mal, é a completa aversão que carrego por qualquer tipo de vassalagem, mesmo em relação às pessoas pelas quais nutro estima. Fiel, eu sou, sim, mas, antes de tudo à minha própria consciência e ao meu senso ético, que consiste em procurar respeitar, no limite das minhas forças, os dez mandamentos talhados por Deus nas tábuas de Moisés. Dito isto, devo dizer, mais uma vez, que o meu relacionamento com Collor de Mello foi esparso, objetivo e mutuamente respeitoso. O ex-presidente deposto, durante a sua campanha eleitoral, leu uma análise que publiquei no Estado de São Paulo sobre os desmandos da cultura oficial no Brasil (“O Estado mecenas e sua fauna cultural”, agosto, 1989), ainda hoje atualíssima. Segundo soube depois, ele ficou impressionado com a matéria e, por intermédio do jornalista Sebastião Nery, convidou-me para uma conversa sobre o tema. No meu diálogo com Collor de Melo, em Brasília, fiz uma exposição crítica a respeito do conluio, em expansão, entre o que chamava de “casta artística” altamente privilegiada e obsessiva na cata de verbas públicas e a vigente burocracia cultural do Estado, salvo exceção, prepotente, corrupta, parasitária, ideologicamente tendenciosa e incompetente. Na ocasião, apontei números e dados estatísticos confiáveis e, de quebra, passei-lhe a cópia de uma pesquisa de opinião pública da Agência Motivo & Razões sobre o desempenho nefasto da Embrafilme. Em seguida, me despedi. Mas ficou claro ao presidente que, na minha visão, administrada pelo jugo da burocracia estatal, com suas variantes de manipulação, dependência e clientelismo, o grosso da sociedade brasileira daria sempre as costas à cultura patrimonialista fomentada pelo governo. Além do mais, muito antes de ser Secretário de governo, eu já tinha pleno conhecimento de como o general Golbery, um dos mentores do Contragolpe de 1964, tinha aliciado, para “descomprimir a panela” autoritária, as chamadas esquerdas culturais, particularmente as que atuavam na esfera do cinema. Parece uma estupidez, claro, mas foi com o apoio dos militares, “direitistas e torturadores”, que a Embrafilme transformou-se numa ativa célula do Partido Comunista e agregados, administrada com os rigores do “centralismo democrático” - a metodologia política de Lenin criada para manter na ponta da faca o seu mando ditatorial. À luz do mando esquerdista, a Embrafilme transformou-se num antro de privilégios. Com os seus filmes “políticos e revolucionários” ou de “análise comportamental” e de “denúncia social”, o cinema brasileiro, que em meados dos anos 1970, sem o peso da produção oficial, tinha conquistado o patamar de 30 milhões espectadores, começou a fazer água. E com a sucessão dos permanentes escândalos da Embrafilme, embalada numa nuvem de poeira tóxica, o público desapareceu de vez. O próprio governo quis investigar a razão e contratou uma empresa de pesquisa. Soube, então, a partir de sondagem de opinião feita pela Agência Razão & Motivos (São Paulo), em meados de 1980, que a estatal do cinema era encarada pela opinião pública nacional como uma “empresa corrupta, antro de politicalha, funcionando para uma panelinha de cineastas”. Ao cabo de tudo, a conclusão da pesquisa demonstrava o óbvio: para a população consultada, a “Embrafilme devia ser fechada e a produção de filmes, no Brasil, privatizada”. (Com a queda de Collor de Mello, hoje aliado de Lula, os “cineastas de prestígio” e muito pouco público, para pressionar governos estatizantes, passaram a divulgar que a Era Collor tinha acabado com a produção de filmes no Brasil – uma mentira deslavada, mas produtiva. De fato, acabado estava o cinema da empresa estatal, visto que durante os dois e meio do governo deposto, entre 1990 e setembro de 1992, nada menos de 105 filmes de longa-metragem foram produzidos. Em caso de dúvida, favor consultar fontes oficiais e o Dicionário do Cinema Brasileiro, de Antonio Leão Neto, SP, 2002). Como Secretário Nacional da Cultura, levando diariamente saraivadas de vitupérios de tipos que nem Arnaldo Jabor, nunca pedi arrego, nem muito menos bajulei ou fui bajulado por Collor de Mello. Assim, para um público desinformado, tratar-me por “escudeiro de Collor” é, no mínimo, um erro grosseiro de percepção, usual, de resto, no jornalismo do dito Jabor, cuja marca registrada é a de trocar a realidade pela ficção delirante. Razão pela qual peço, antes de mais nada, desculpas à população que lê jornal no Brasil: sem querer, ajudei a promover uma “vocação oculta” que desdenha dos fatos numa atividade em que se deveria, por princípio, respeitá-los.
Leia o ensaio na íntegra no “Cláudio Humberto”...vale a pena!

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