quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Monumento à "Sapatada"

Um monumento ao sapato foi inaugurado na cidade de Tikrit, no Iraque. É a cidade natal de Saddam Hussein e de onde partem as maiores resistências à ocupação do pís. O modelo do sapato é igual aos do jornalista Muntadhir Al Zaidi. A escultura, feita inteiramente em cobre, mostra os sentimentos do povo iraquiano para com Bush e o seu império. Ver também Pela criação da "Ordem do Sapato" . Detalhe: o governo títere iraquiano mandou as autoridades provinciais demolirem o monumento. E o jornalista Muntadhir Al Zaidi continua preso em Bagdad.

Para melhor compreensão do que ocorre no Iraque, não deixe de ler o artigo que escrevi para o excelente semanário Jornal Opção, quando do enforcamento de Saddam:

A forca e a questão humanitária
Por Said Barbosa Dib*

Tudo bem! Saddam Hussein foi finalmente enforcado. Está morto e enterrado. Com direito a vídeo vazado pela CIA e tudo mais. Foi condenado por crime contra a humanidade pelo massacre de 148 aldeões xiitas da localidade de Dujail, mortos em represália do então presidente iraquiano ao atentado que sofreu pelos mesmos xiitas em 1982. Tentaram matar Saddam. Mas Saddam foi mais esperto. Matou-os primeiro. E fez isso com armas químicas que também utilizou contra curdos e outros desafetos. Armas químicas, aliás, fornecidas ilegalmente pelos EUA quando os “humanitários” ianques viam ainda com bons olhos o então aliado Saddam Hussein como “um muro civilizatório no Oriente Médio contra a barbárie xiita do Irã”, segundo palavras de nada menos do que Dick Cheney, então secretário de Defesa durante a administração de Bush pai. Mas o que chama atenção é o fato de que Saddam foi enforcado por ter matado xiitas, mas não por ter também massacrado separatistas curdos do norte do Iraque. Não o foi por uma razão simples: se o tivessem condenado por causa dos curdos, teriam problemas com a Turquia, aliada da Otan. Isto porque a repressão turca aos curdos em território turco, na década de 90, foi — e continua sendo — extremamente violenta e sistemática. De 1990 a 1994, à medida que o exército turco estava devastando as áreas rurais do sul do país, além de centenas e centenas de mortos houve a fuga de cerca de um milhão de curdos do campo para a capital oficiosa curda, Diyarbakir. O ano de 1994 conheceu dois recordes: foi “o ano da pior repressão nas províncias curdas” da Turquia, como o repórter Jonathan Randal relatou do palco dos acontecimentos, e o ano em que a Turquia se tornou “o maior importador individual de equipamento militar estadunidense e, assim, o maior comprador mundial de armamentos”. Quando os grupos de direitos humanos denunciaram o uso pela Turquia de jatos fabricados nos Estados Unidos para bombardear vilarejos, segundo o intelectual Noam Chomsky, “o governo Clinton achou maneiras para contornar as leis que requerem a suspensão das remessas de armamentos, como também fez na Indonésia e em outros lugares”. Houve alguma ação “humanitária” contra a Turquia, membro da Otan? Evidentemente que não. Outra questão importante: se o motivo pelo qual Saddam foi enforcado servir de exemplo para os Estados nacionais que têm problemas com forças separatistas — e que vêm atuando de uma forma firme, e até violenta, para reprimir tais tendências —, faltarão carrascos no mercado. Haja vista os russos com a questão da Tchechênia, os espanhóis com os bascos, os ingleses com os irlandeses, o separatismo dos norte-italianos, os afrancesados de Quebec, no Canadá, os curdos na Turquia, a Kashemira, na Índia, ou o Tibet, na China. Curioso imaginar, também, o que teria sido do orgulho e da história norte-americana diante de uma hipotética “intervenção humanitária” na Guerra de Secessão no século XIX, com seus mais de 500 mil mortos e milhares de feridos. Foram 500 mil mortos em decorrência da atuação dos ianques para evitar que acontecesse com os Estados Unidos o que separatistas xiitas e curdos tentaram fazer no Iraque. E se hoje a Flórida tentasse se separar dos Estados Unidos? O que aconteceria? Se o Rio Grande do Sul ou a Bahia tentassem a secessão do Brasil? Isso seria admissível? Não. Seria a guerra civil. A federação brasileira é uma causa pétrea da Constituição e, por força da lei maior e imperativo moral, o Estado brasileiro seria obrigado a reprimir tal intento. Mas o problema — e a justificativa do enforcamento — é a “questão humanitária”, o conceito de crime contra a humanidade. Foi justamente por esta idéia que também tentaram enquadrar Milosevic na questão iugoslava. O “direito” de “intervenção humanitária”, em que se basearam os Estados Unidos e a Otan em Kosovo, foi uma questão tão humanitária, mais tão humanitária, que justificou a utilização de arsenal radioativo sobre populações civis na Sérvia, a despeito de qualquer autorização por parte do Conselho de Segurança, num flagrante desrespeito ao direito internacional. Esta não é uma desculpa nova. O acadêmico Sean Murphy, em trabalho que historia a evolução dos intervencionismos militaristas desde o Pacto Kellogg-Briand, de 1928 (que colocou a guerra fora da lei), até a Carta da ONU, mostra os exemplos mais destacados de “intervenção humanitária” ao longo dos últimos 80 anos: o ataque japonês à Mandchúria; a intervenção de Mussolini na Etiópia e a ocupação nazista em regiões tchecoslovacas. Todas, ações bélicas violentas, acompanhadas sempre de um discurso humanitário exaltado e bem- elaborado. Os nipônicos iriam defender os mandchus da “crueldade bárbara” dos chineses; Mussolini lutava para libertar milhares de escravos etíopes de “seu próprio atraso”, numa “missão civilizadora”, e Hitler proclamava, em artigos inflamados nos principais jornais ocidentais, a necessidade de intervenção germânica para acabar com “a violência e genocídio tchecoslovacos contra populações alemãs” dos Sudetos. O enforcamento de Saddam, portanto, merece uma reflexão importante para o Brasil, principalmente quando sabemos das preocupações humanitárias e altruístas dos países hegemônicos com relação aos nossos índios, animais e plantas.

Leia também:

Nenhum comentário:

Postar um comentário