segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Lula, CPMF e a contribuição dos inativos


Honoré de Balzac dizia que "remorso é impotência. Quem o tem certamente voltará a cometer o mesmo pecado". E advertia: “Apenas o arrependimento é uma força que põe termo a tudo”. Parece que Lula substituiu efetivamente o primeiro sentimento pelo segundo quando o assunto é Previdência Social. Talvez por isso, ao contrário do que vêm pensando os analistas mais apressados da imprensa, houve a aprovação, na semana passada, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da admissibilidade da proposta que acaba com a contribuição previdenciária dos inativos.
O presidente estaria preocupado em deixar uma imagem mais positiva junto, principalmente, à classe média, setor mais atingido pela reforma previdenciária. Acha que este setor vem sendo o grande empecilho para entregar a faixa presidencial quase como uma unanimidade nacional em 2010. Avalia o presidente que tirar 11% dos proventos dos aposentados e pensionistas do serviço público, que recebem acima de R$ 1.058, para garantir apenas R$ 2 bilhões por ano ao governo, é um custo político muito alto e por quase nada.
Ele avalia que, no seu primeiro mandato, amarrado pela "herança maldita" do "tucanato", teve que beneficiar os banqueiros, mas, diferente de FHC, quis atender também aos extremamente pobres, com o "Bolsa Família". Setor, aliás, que viabilizou a sua reeleição. Mas, assume que teve de deixar a classe média a ver navios.
Agora, Lula tem de estar atento a ela não só pela óbvia estabilidade política que o fortalecimento desse setor traz, mas, também, pela sua grande capacidade geradora de empregos, impostos e consumo, pois é responsável por aproximadamente 60% das vagas criadas pela economia e faz circular riquezas para as atividades que basicamente dependem dela, tais como: hotéis, agências de viagens, empregados domésticos, lavanderias, feiras, planos de saúde, serviços automotivos, restaurantes, construção civil, etc.
É da classe média que vem cerca de 62% da receita dos shoppings, 58% do setor de educação, 61% do setor automotivo, 60% do setor mobiliário, 50% da receita dos supermercados e do setor de telecomunicação. A classe média é responsável, ainda, por 67% da arrecadação do Imposto de Renda e cerca de 70% dos impostos sobre o patrimônio.
A verdade é que e as políticas econômicas dos últimos anos vêm tratando a classe média como um segmento privilegiado que deve cada vez mais contribuir para os cofres públicos.
Contribui pesado, mas não usufrui dos serviços prestados pelo Estado, cuja inércia a obriga a comprometer cerca de 102 dias/ano da sua renda para adquirir serviços privados (educação, plano de saúde, previdência privada...).
Porém, segundo analistas mais maliciosos, o que ocorreu na CCJ da Câmara não seria apenas um descuido dos governistas, nem ao menos a revelação do arrependimento presidencial, mas, sim, uma certa dose de pragmatismo do presidente para enfrentar a "Batalha da CPMF", que se aproxima.
Batalha que será sangrenta, principalmente no Senado. Afinal, abrir mão de R$ 2 bi dos velhinhos em troca dos R$ 30 bi da CPMF não seria um mau negócio. É claro que, infelizmente, a especulação que segue neste artigo é ainda pura divagação. Lula não vem demonstrando nenhuma intenção neste sentido. Ainda se mostra impotente diante da facção tecnocrático-monetarista de seu próprio governo. Mas, bem que poderia surgir algum político para colocar a questão dos inativos na pauta de negociação da CPMF.
Seria muito bom, porque suportaríamos o absurdo da CPMF por mais alguns anos, mas saberíamos que, pelo menos para os aposentados e pensionistas, as coisas ficariam um pouco melhores. Lula mostraria seu arrependimento, amenizando o ódio da classe média – e o político que fizesse a sugestão teria boas repercussões eleitorais. Quem se oferece?


*Said Barbosa Dib é analista político e historiador.

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