O sucesso não justifica a moral se esta realmente é uma convenção. Pode-se vencer na vida economicamente e continuar moralmente derrotado, vencido por dentro, condenado ao ódio, ao esquecimento que é vingança coletiva.
Vezes penso nesses industriais e comerciantes, vencedores na economia, generais de tática irresistível, conquistando mercados, criando atividades, ultrapassando fronteiras, convenções e limites. Elogiando-lhe o esforço, cumprimos a missão brasileira de valorizar o trabalho nacional, erguido lentamente da cota zero às estrelas. Raros herdaram alguma coisa além do nome. Chegam as cucurutas da fortuna, semeando fábricas, multiplicando usinas, espalhando ouro, como Grandes Fadas, generosas e fartas.
Curiosamente, apesar de humanos e amantes da exaltação divulgativa da energia pessoal, esses homens contentam a vaidade com o incenso de uma hora. Um banquete, uma estátua, nome numa rua, nome num edifício, encheu as medidas do mais exigente. Perde a memória do estudante brasileiro a história desses grandes trabalhadores. Como só o conhecemos envelhecidos milionários, meio displicente, devotos com medo da morte e do inferno, vivemos tão distante de admirar-lhe a vida anterior, intensa e formidável, modelo indiscutível de vontade inarredável, como se tivessem vivido dentro de uma caverna, na era neolítica, donos de renas e caçadores de ursos.
A Bibliografia nesse terreno é, no Brasil, a mais pobre, a mais rara e a mais melancólica. Uma vida destas, escrita num ritmo de exaltação, dá no timbre da comicidade integral. Só admiramos o que compreendemos. Compreender é acompanhar o diagrama de percurso e não obrigar-se ao salto vertical de um brinde de aniversário.
Quando esses grandes comerciantes, reis de indústrias, conquistadores de terras e de mercados vão morrendo, os nomes murcham depressa. Podíamos aqui perguntar pelo nome de uns cinqüenta, levados para o Outro Mundo.
Por que não contam a história de sua vida e do seu trabalho? É exemplo e estímulo a melhor herança, a única acima do Tempo, comedor de ouro e de famas alicerçadas em facilidades douradas.
Tenho tristeza quando não posso evocar, os nossos magníficos trabalhadores, os que valorizaram e venceram pelo trabalho. Olho para toda parte procurando os elementos que ajudarão esses nomes através do tempo. Caridade...
Nosso Senhor Jesus Cristo teve quatro livros contando sua vida. E não precisava desses biografistas. Mas os Evangelhos falaram, para sempre, da passagem e das vozes do Salvador.
Castro Alves sabendo muito bem quem era, disse num verso famoso:No chão da História o passo meu verás!O chão da História, onde os passos ficam é o livro.
Por isso ainda hoje vemos as pegadas gigantescas de Castro Alves, rumando para a imortalidade...
Luís da Câmara CascudoDiário de Natal, 9 de abril de 1948
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