Confiram
Said B. Dib
Constituição suspensa
Por Dalmo Dallari, "jurista". JB on line de 26 de abril de 2008
No Estado de Roraima não está vigorando a Constituição brasileira. Agressões a muitos direitos, fartamente noticiadas pela imprensa, com a clara configuração dos fatos e a identificação dos agressores, estão desafiando a lei e as autoridades, e os responsáveis já estão festejando sua impunidade. Como isso é possível, num país regido por uma Constituição democrática e com todas as instituições públicas funcionando sem qualquer constrangimento? Uma síntese dos fatos, que são públicos e notórios, permite estabelecer com facilidade e precisão o quadro jurídico. Há alguns anos, vários empreendedores rurais decidiram invadir áreas indígenas do Estado de Roraima, para efetuarem a plantação de arroz e soja. Seu objetivo é ganhar dinheiro, não importa como, e a invasão de terras indígenas proporcionaria a ocupação de áreas muito amplas sem gastar dinheiro, o que, evidentemente, é excelente negócio. Naquelas terras existe uma ocupação indígena muito antiga, amplamente comprovada, estando em fase final o processo de demarcação das terras para fixação precisa dos limites. De acordo com a Constituição, as terras tradicionalmente ocupadas por índios pertencem ao patrimônio da União e os índios têm o direito de ocupação permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes. Tudo isso está muito claro na Constituição e era, obviamente, do conhecimento dos invasores, que são empresários experimentados. Essas invasões foram noticiadas pela imprensa, que também noticiou a tentativa de resistência pacífica dos índios, que, ajudados por entidades de apoio aos direitos indígenas, acreditaram que as autoridades públicas iriam em seu socorro, como determinam a Constituição e as leis. O que aconteceu, entretanto, foi que, graças ao poder econômico e à ousadia dos invasores, a ordem jurídica foi arquivada e prevaleceu a lei do mais forte. Intimados a respeitar os direitos indígenas e o patrimônio da União os invasores manifestaram publicamente sua intenção de continuar invadindo, alegando que sua ocupação é mais rendosa para o Estado de Roraima do que a ocupação indígena. A Polícia Federal foi mobilizada para expulsar os invasores e estes reagiram declarando, pela imprensa, que resistiriam com homens armados a qualquer tentativa de expulsão, ameaçando com uma carnificina se a polícia tentasse fazer cumprir a determinação de desocupação da área. Isso configura crime de resistência, mas nenhuma autoridade reagiu. Ao contrário disso, o governador do Estado, agindo como emissário dos invasores, procurou autoridades federais para pedir que não houvesse a expulsão, ignorando a Constituição e as leis. O último capítulo, até o momento, dessa triste novela jurídica foi uma decisão do Supremo Tribunal Federal, no dia 9 de abril, mandando suspender qualquer operação para retirada dos não-índios das áreas indígenas invadidas. No mesmo dia, em São Paulo, em palestra na Federação das Indústrias, o general comandante do Exército na Amazônia, ignorando a Constituição, declarou que os índios não precisam das terras e que sua tropa vai entrar onde for necessário para garantir os invasores, esclarecendo que não dá qualquer importância ao fato de o Brasil ter assinado a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, aprovada pela ONU em 13 de Setembro de 2007 – cujo artigo 10 estabelece que "os povos indígenas não poderão ser removidos de suas terras pela força". O patrimônio da União e os direitos indígenas foram ilegalmente usurpados por invasores e as autoridades decidem ficar inertes ou apoiar os delinqüentes, o que deixa evidente que neste momento a Constituição brasileira não está vigorando no Estado de Roraima.
Aí está: os vieses ideológicos impedindo de ver os fatos, e estes, há mais de 100 anos, mostram o jogo das potências hegemônicas para conquistar, por meio da montagem de reservas indígenas, os territórios mais ricos em minérios estratégicos e preciosos do País e do Planeta. Dallari deveria saber que a soberania e a integridade do País estão acima da Constituição. Esta, de resto, têm dispositivos favoráveis e desfavoráveis ao País. Em geral, as autoridades constituídas (nos Três Poderes) só aplicam os contrários ao País e descumprem os que poderiam servir à sociedade brasileira. Menos mal seria se cidadãos brasileiros descumprissem a CF quando ela vai contra o País, mas nem esse é o caso. Quem desrespeitou a Constituição foi o Executivo Federal ao demarcar áreas nas regiões de fronteiras, em função de que ali se está impedindo o acesso de brasileiros, inclusive das Forças Armadas brasileiras, ao arrepio do art. 20, § 2º da Constituição. Ainda recentemente foi citado em artigo do Prof. Marcos Coimbra, o parecer do jurista Clóvis Ramalhete, quando da absurda portaria que determinou a demarcação da reserva atribuída à pretensa e inexistente etnia ianomâmi mais de 90 km. quadrados de território amazônico. Transcrevo a citação:
Em seu § 3º - A Faixa de Fronteira no Direito Brasileiro: "É instituição veneranda,..., desde o Império, ponto de partida da consolidação do patrimônio nacional de terras e que primeiro instituiu a Faixa de Fronteiras."
No seu § 4º - O Fim no Direito e a Faixa de Fronteira: "O fim está expresso na norma, e é a defesa do território nacional."
Tanto mais grave a lesão ao Direito quando se sabe que, além das fronteiras do Brasil, vive uma comunidade de índios, também ianomâmis. "Como se vê, em lugar de defender a fronteira, a portaria apagou-a, riscou-a do mapa, naquela região, tornada área contínua ianomâmi, do Brasil até Venezuela adentro. A lesão ao fim do Direito em causa é manifesta."
E mais: "No entanto, a Portaria 580/91 dispôs discricionariamente sobre ocupação da faixa de fronteira e contrariou a Lei 6.634/79, que dispõe: art. 8º: A alienação e a concessão de terras públicas na Faixa de Fronteira não poderão exceder de 3.000 hectares..."
*Adriano Benayon
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