José Sarney*
Segundo nosso saudoso Câmara Cascudo, o povo sabe inventar etimologias surpreendentes para topônimos. O nome de Olinda seria por ter Duarte Coelho dito, vendo o local: “Oh! Linda posição para uma cidade!” No Rio Grande do Norte, terra do nosso folclorista, o potiguar é craque nisso. A Praia da Redinha veio da rede de dormir, indispensável no local; a cidade de Augusto Severo, outrora Campo Grande, nasceu da frase: “Que campo grande bom para criar gado!” Portalegre é: “Parece uma porta alegre do sertão!”. Todas essas explicações são, na verdade, invenções soberanas e criativas do povo criadas para suprir a razão verídica, etimológica, do topônimo. Cascudo cita Feliciano Galdino que, no seu Lendas Matogrossenses, (Cuiabá, 1919), registra uma explicação curiosa do topônimo Cuiabá. Quando Pascoal Moreira Cabral chegou à Forquilha com sua bandeira, aventureiros, mortos de sede, desceram para o rio. Um português querendo apa-nhar água com cuia deixou-a cair e o rio carregou-a. O homem, trocando o “V” pelo “B” exclamou, zangado: - “Cuia, ba!” Querendo dizer; “cuia, vá”. E ficou Cuiabá... Teodoro Sampaio, no Tupi na Geografia Nacional, ensina que Cuiabá provém da cui, farinha, e aba, homem, raça, povo. Cuiabá seria o povo da farinha, fabricante de fari-nha. É a explicação também de Lacerda e Almeida. Para o povo nem se discute. É apenas - Cuia...Bá! No caso de nossa Macapá que em plena festa da carne comemorou longos e heróicos 250 anos, a toponímia é de origem tupi, uma variação de “macapaba”, que significa lugar de muitas paineiras bacabas, cujo nome científico é oenocarpus bacaba mart. Mas, antes de se chamar Macapá, o primeiro nome concedido oficialmente a esta terra foi Adelantado de Nueva Andaluzia, nome dado em 1544 por Carlos V do império Habsburgo, quando concedeu a Francisco de Orellana a posse da região.Mas, se por alguma hipótese, o povo tucuju fosse chamado a renomear livremente a capital do Amapá, teria todos os motivos para chamá-la de qualquer nome que significasse felicidade, amizade, amor, coragem ou espe-rança. Poderia, com toda justiça, ter nomes dos povos que precederam os europeus na região, como os cunanis, os aristés, maracás e aruãs, como os goyazes deram o nome para o Estado de Goiás. O povo amapaense também teria todos os motivos para batizar a sua bela capital com o nome dos grandes navegadores que desbravaram estas terras, como Américo Vespúcio, Francisco de Orellana, Vicente Yañez Pinzón, Luis de Mello e Silva e Duarte Pacheco Pereira. Mas, a História foi sábia. Macapá é um nome perfeito e já consolidado pelo povo. Pela etimologia significa “terra das bacabeiras”, como todo o Brasil ficou sabendo neste carnaval. Mas, no coração de todos amapaenses e brasileiros, tem vários e profundos significados. Para mim, Macapá é um nome simples, mas com significados profundos, como uma bela moça morena dos tucujus. É a cidade que me acolheu com carinho. Cidade guardiã que se espraia, plana, vigiando dia e noite o desaguar deste lado do Amazonas. Ela tem os ventos que vêm do grande mar oceano, brisa que lhe acaricia o corpo e os cabelos compridos. Macapá, moça morena de lábios de sol e olhos de chuva. É a capital dos vastos territórios que daqui só terminam nas barrancas do Oiapoque, passando por lagos, rios, campos, florestas, chapadas, riachos e montanhas. A paisagem humana de sua gente, no seu falar cantado, descendo e subindo sempre nos barcos, rio vai e rio vem, em demanda das ilhas ou dos pequenos portos, povo ribei-rinho que passa o tempo navegando. Macapá, misto de ternura e bondade, gente boa, raça forte. É isso!
*José Sarney É ex-presidente da República, senador pelo Amapá e acadêmico da Academia brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa.E-mail: sarney@senador.gov.br
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