sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Zonas de Processamento de Exportação

Ph.D. em economia defende retomada da política de exportação do governo Sarney
Por Patrícia Castello Branco

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, dia 14 de fevereiro, a Medida Provisória nº 418, que regulamenta a Lei 11.508/07 e cria as condições tributárias, cambiais e administrativas para o funcionamento das Zonas de Processamento de Exportação, as ZPEs. Para entrar em vigor, as regras têm ainda que receber aprovação de deputados e senadores. A redação final da MP 418 foi resultado de entendimentos entre o senador José Sarney (PMDB-AP) e os representantes dos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), da Fazenda e do Planejamento. Foi Sarney quem, depois de uma viagem oficial à China, teve a decisão política de implantar as ZPEs no Brasil, assinando, em 1988, decretos que criaram 13 unidades em diferentes estados. Houve, na época, grande resistência ao mecanismo, especialmente da indústria e de políticos paulistas. Mesmo assim, manteve a decisão. No governo Itamar Franco foram criadas mais quatro. Por questões ideológicas, durante os governos Collor e FHC, houve tentativas de extinção do programa. Agora, o senador Sarney, como principal aliado de Lula no Congresso, vem conseguindo as condições políticas necessárias para realizar o seu sonho: tornar as ZPEs uma realidade econômica. O Amapá, estado que representa no Senado, já tem um projeto de ZPE, apresentado no ano passado pelo governador Waldez Góes (PDT-AP) ao governo federal.
O Dr. Helson Braga Cavalcanti, presidente da ABRAZPE (Associação Brasileira de Zonas de Processamento de Exportação), estava na comitiva do presidente Sarney que foi à China nos Anos 80 e vem participando de todo o recente processo de negociação com as equipes técnicas do governo federal. Nesta entrevista, desmistifica algumas visões contrárias acerca das ZPEs e explica as origens, a evolução e os mecanismos de funcionamento dessas plataformas de exportação. Mostra, ainda, as vantagens que a ZPE do Amapá poderá trazer para o estado. O Dr. Helson é Ph.D. em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), pós-doutorado na Universidade de Chicago e livre docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A ABRAZPE é filiada à World Economic Processing Zones Association - WEPZA, situada em Flagstaff, Arizona, EUA, e à Fédération Mondiale des Zones Franches - FEMOZA, estabelecida em Genebra, Suíça.


Patrícia Castello Branco – Dr. Helson Braga, o que é uma ZPE?
Dr. Helson Braga -
As Zonas de Processamento das Exportações são distritos industriais incentivados, onde as empresas neles instaladas recebem tratamento diferenciado, em termos tributários e cambiais, com a condição de destinarem pelo menos 80% da produção para as exportações. Elas são os mecanismos mais utilizados no mundo como estratégias de desenvolvimento, tais como a geração de empregos, o aumento do valor agregado das exportações, a correção de desequilíbrios regionais e a difusão de tecnologias e métodos de gestão mais modernos. Mais de 100 países utilizam com sucesso o mecanismo.

Patrícia Castello Branco – “Diferenciado” quer dizer algum tipo de privilégio em detrimento de outras empresas já instaladas fora deste sistema?
Dr. Helson Braga - O caráter “diferenciado” do regime ZPE não implica em favorecimento das suas empresas vis-à-vis às demais empresas nacionais: as vendas de até 20% de sua produção no mercado doméstico recebem tratamento idêntico ao dispensado às importações. Ou seja, do ponto de vista da concorrência no mercado doméstico, não introduz nada que as empresas nacionais já não estejam habituadas. Não há nada que possa ser interpretado como concorrência desleal, em relação às empresas localizadas fora das ZPEs.

Patrícia Castello Branco – Mas, os que são contra argumentam que as ZPEs não seriam necessárias, que já seriam “arcaicas”, pois o governo já vem desonerando as exportações em diversos setores importantes.
Dr. Helson Braga -
Vamos por partes: quem fala que as ZPEs são “arcaicas” ou “anacrônicas” parou de estudar há algum tempo. Pois basta fazer uma consulta rápida e superficial à Internet que irá constatar que um grande número de países está operando (com sucesso) e ampliando a utilização de ZPEs no mundo inteiro. Verificará também que o número de ZPEs (ou mecanismos similares) tem crescido com vigor exatamente nos últimos 20 anos. Fica difícil – por uma questão de lógica elementar - caracterizar este mecanismo como arcaico ou anacrônico.


Patrícia Castello Branco – E o comentário que diz que o governo já vem desonerando as exportações em diversos setores importantes?
Dr. Helson Braga -
De fato, nos últimos anos, surgiram vários regimes de desoneração de impostos para atividades exportadoras – “empresas predominantemente exportadoras”, RECAP, “aeroporto industrial”, a respeito dos quais não vale a pena, neste espaço, dar detalhes técnicos – mas todos com resultados insignificantes. Tais mecanismos foram criados numa época em que o governo começava a compreender a necessidade de dispor de mecanismos de promoção de exportações, mas se recusava a fazer o que realmente importava, que era implantar as ZPEs. Como havia uma resistência insana ao mecanismo que faria a diferença (as ZPEs), foram utilizados substitutos “meia-sola”, que não tinham o potencial que têm as ZPEs. Não surpreende, portanto, que pouca gente tenha se apercebido, até agora, de que eles estão em vigor. A conscientização – do Executivo e do Legislativo - sobre o que realmente precisa ser feito (ou seja, a implantação das ZPEs) se deve ao trabalho de pessoas lúcidas, como o Presidente Sarney e o ex-Ministro Delfim Netto.

Patrícia Castello Branco – Mas, para que fique bem claro, eu insisto: dizem que as ZPEs provocarão “perdas fiscais insuportáveis”. O que o senhor diz sobre tais “acusações”?
Dr. Helson Braga - Essa acusação é ilustrativa da pobreza lógica e intelectual do debate a respeito de tão importante mecanismo. O papel estratégico das ZPEs é o de viabilizar investimentos que, noutras circunstâncias, não se concretizariam. O Brasil já perdeu investimentos estratégicos (como uma fábrica de semi-condutores, em meados dos anos 90, setor que determinaria se o país iria ser ou não um “player” global no setor eletro-eletrônico), justamente por não ter disponibilizado as ZPEs, que são o mecanismo requerido por investidores globais. Então, ou conseguimos entender essa lógica do capitalismo global - e incluímos as ZPEs em nossa estratégia de atração de capitais - ou vamos continuar na periferia destes setores definidores de quem pertence ao pelotão de frente ou da retaguarda da economia globalizada. As ZPEs nos colocará no mapa desses investimentos internacionais, para os quais o mercado interno brasileiro é, certamente, importante, mas o verdadeiramente relevante é o mercado global.

Patrícia Castello Branco – Em resumo, quer dizer que não é lógico supor que perderemos receita por deixarmos de cobrar impostos de atividades que não existiriam sem as ZPEs? É isto?
Dr. Helson Braga -
Exato. Tautologicamente, não se perde algo que não se tem. Além disso, não é correto avaliar o impacto das políticas públicas a partir de seu efeito direto, sem levar em conta os seus efeitos indiretos. Assim, mesmo que as empresas em ZPE não “paguem impostos”, cada uma delas gerará algumas dezenas de milhares de empregos (diretos e indiretos) que movimentarão shopping centers, supermercados e toda uma infinidade de atividades, que também gerarão empregos – e, óbvio! pagarão impostos.

Patrícia Castello Branco – Voltando às origens: como as ZPEs vieram a ser implantadas no Brasil? E por que até hoje não havia sido regulamentadas?
Dr. Helson Braga -
As ZPEs foram criadas pelo Presidente José Sarney, em 1988. Houve, na época, uma tremenda resistência contra o mecanismo, especialmente da indústria e políticos paulistas. Apesar disso, o Presidente Sarney manteve a decisão de implantar as ZPEs, e assinou 13 decretos criando unidades em diferentes estados. O Presidente Itamar Franco criou mais quatro. Durante os governos Collor e FHC houve tentativas de extinção do programa, que não chegaram a se concretizar em razão da mobilização de vários estados, que viam, no mecanismo, o que ele é: um poderoso instrumento de desenvolvimento.

Patrícia Castello Branco As dificuldades iniciais refletiam um pouco a estrutura econômica da época, quando o modelo chamado “nacional desenvolvimentista” já mostrava sinais de estar em crise?
Dr. Helson Braga – Sim, no final dos Anos 80 Sarney percebeu que era necessário utilizar mecanismos diferentes do utilizado na época em que o desenvolvimento industrial se confundia com substituição de importações. A primeira legislação das ZPEs era um reflexo do Brasil da época: uma economia altamente protegida contra a concorrência estrangeira, onde qualquer movimento que pudesse ser interpretado como ameaça, real ou imaginária, era vigorosamente combatido. Isso ocorreu, sim, com as ZPEs. A legislação só foi editada em razão da determinação do Presidente Sarney e do seu ministro da Indústria, o Ministro José Hugo. Mesmo com uma legislação restritiva (por padrões internacionais) o programa somente não deslanchou porque foi boicotado pelo governo que se seguiu ao do Presidente Itamar Franco, que não entendeu o potencial desenvolvimentista das ZPEs.

Patrícia Castello Branco – Recentemente, Lula assinou a - MP 418 – regulando a Lei 11.508/07, que viabiliza as Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs). A medida, como ficou, satisfez a ABRAZPE?
Dr. Helson Braga –
A MP 418 foi certamente um avanço do ponto de vista da consistência do mecanismo e de sua conformação ao restante da política industrial do governo; e às boas práticas de políticas de desenvolvimento utilizadas por outros países. Foi também um raro exemplo de convergência da base governista e da oposição em torno de um extraordinário programa de desenvolvimento que interessa a todos e ao Brasil. O Presidente Lula editou a MP nos exatos termos que haviam sido negociados entre as áreas do governo envolvidas no assunto (basicamente os Ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento) e o Congresso Nacional. Pode-se dizer que a MP representa um excelente ponto de partida para a implementação do programa, permitindo a imediata retomada dos projetos já aprovados.

Patrícia Castello Branco – O senhor fala de “ponto de partida”. E o que falta para ser aperfeiçoado?
Dr. Helson Braga – Há alguns pontos importantes, sobre os quais não houve consenso entre os parlamentares e os representantes do governo. Há, portanto, espaço para introdução de aperfeiçoamentos ao texto convertido em MP. Entre estes pontos estão a possibilidade de prorrogação do prazo de vigência do regime (que ficou restrito a um período de até 20 anos, que pode se revelar insuficiente para investimentos de grande porte, tais como refinarias e usinas siderúrgicas) e a equiparação das vendas entre empresas em ZPE a uma operação de venda no mercado externo (que desestimula a instalação, dentro da ZPE, de outras empresas que adquiram produtos de outras, os beneficiem e os exportem, aumentando o valor agregado e o emprego dentro da ZPE). Além disso, há toda uma conveniência de se tornar automática a redução de 75% do imposto de renda para a empresas em ZPE, que, pela nova lei, obrigará os interessados a ingressarem com um projeto para se instalar em ZPE (e submetê-lo ao Conselho Nacional de Zonas de Processamento de Exportação - CZPE) e um outro, para ter direito àquela redução, desta vez dirigindo-se à SUDAM ou à SUDENE. Isso é uma duplicação burocrática absolutamente injustificável e dispensável. Teremos oportunidade de fazer estas correções por ocasião da votação da MP no Congresso.

Patrícia Castello Branco – Então a próxima batalha será na Câmara e no Senado?
Dr. Helson Braga –
Na semana passada, se esgotou o prazo para apresentação de emendas à MP 418/2008, tanto dos deputados como dos senadores. Logo no começo da próxima semana, a equipe do deputado Henrique Eduardo Alves (que é o relator da MP) poderá recolher a sua orientação e iniciar a elaboração do parecer do relator. Devido ao amplo apoio que o programa das ZPEs desfruta no Congresso Nacional, a expectativa é de uma rápida tramitação nas duas Casas, e a breve conversão da MP em lei definitiva.

Patrícia Castello Branco Mas, os “aperfeiçoamentos” que o senhor sugere têm condições de serem feitos durante o processo de votação no Congresso Nacional? A classe política já captou a importância do projeto?
Dr. Helson Braga – Acredito que sim. Os deputados e senadores têm consciência de que o Brasil já está começando a assimilar a importância de se ter estabilidade nas “regras do jogo”, fator fundamental para a atração de investimentos, especialmente os de grande porte. Sabem que uma lei aprovada pelo Congresso Nacional - e imediatamente implementada, tornando irreversíveis grandes empreendimentos – é o elemento fundamental para garantir estabilidade. Nenhum aventureiro mal esclarecido ou mal intencionado conseguirá reverter estas regras, no futuro, se o programa desfrutar desse apoio.

Patrícia Castello Branco – Como já foi dito, o Presidente Sarney foi quem deu início à implantação de ZPEs no Brasil. Mas, ele foi, também, o idealizador da atual ALCMS – Área de Livre Comércio de Macapá e Santana -, que trouxe grandes recursos da SUFRAMA, empregos, impostos e renda para o Amapá. Os amapaenses querem saber o que, na prática, a ZPE do Amapá representará para suas vidas. Indo direto ao que interessa: haverá aumento de emprego e renda? Por quê?
Dr. Helson Braga –
O Amapá tem sorte por ter o presidente Sarney como um de seus senadores. Tanto a ALC de Macapá Santana como a ZPE do Amapá são projetos que o Amapá conseguiu como resultado direto do empenho e da influência do presidente Sarney. A ALCMS produziu desenvolvimento como área de livre comércio. Esta foi sua primeira fase. Mas, desde o início, o senador Sarney tinha consciência de que ela precisaria ser aperfeiçoada. Precisaria passar da fase comercial para a industrial. E a implantação da ZPE vem atender exatamente esta função: criar as condições de aperfeiçoamento da ALCMS, permitindo a passagem da fase comercial para a industrial, através da atração de investimentos. A ZPE fará a diferença em termos de desenvolvimento do estado. Ela terá como âncora um grande projeto siderúrgico, que atrairá outros empreendimentos. Com os incentivos da ZPE, haverá investidores, nacionais e estrangeiros, que se instalarão no estado para beneficiar o amplo conjunto de matérias primas que o Amapá possui. O desenvolvimento do Amapá será alavancado pela ZPE – que puxará mais investimentos, cujo fluxo, ao longo dos anos, irá construir e consolidar uma base industrial importante no estado. Evidentemente, o governo estadual não estará dispensado de planejar outras frentes de desenvolvimento, mas, seguramente, a ZPE fará uma boa parte do trabalho com vistas ao desenvolvimento do Amapá.

Patrícia Castello Branco – O senhor é presidente da ABRAZPE. É um estudioso do assunto e vem acompanhando todo o processo de luta pela regulamentação das ZPEs. Os empecilhos institucionais e, principalmente, políticos, devem ter sido imensos. O senhor poderia quantificar qual a importância da figura política do senador José Sarney neste processo?
Dr. Helson Braga - Muito em breve, os brasileiros se darão conta de que o programa das ZPEs terá sido uma das mais importantes e inteligentes medidas de promoção do desenvolvimento já implementadas em nosso país. Não há hipótese de dar errado aqui um mecanismo que mais de cem países utilizam como parte essencial de suas estratégias de desenvolvimento, independentemente de suas configurações políticas e dos distintos graus de desenvolvimento. Só a China, que serviu de inspiração ao Presidente Sarney, tem mais de 40 milhões de empregados nas suas seis modalidades de ZPEs, que foram implantadas a partir do início dos anos 80 pelo presidente Deng Xiaoping. Seguramente, a distância entre as economias brasileira e chinesa seria hoje muito menor se os governos que sucederam ao do Presidente Sarney tivessem dado seqüência ao projeto visionário que ele criou, quando ninguém aqui tinha a menor idéia do que se tratava. No entanto, com duas décadas de atraso, finalmente, as ZPEs terão a oportunidade de demonstrar o seu potencial de contribuir para progresso do País. E, de novo – e não por acaso –, lá está, novamente, o Presidente Sarney, articulando, criando as condições políticas e liderando a retomada do programa que ele criou lá atrás, e nunca abandonou. É mais uma que o Brasil lhe deve.

Para maiores informações, acesse o site da ABRAZPE:
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