quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

SOBERANIA NACIONAL

A estratégica conexão terrestre com Manaus e a 'Ilha de Guiana'
Nilder Costa

O presidente Lula fez uma breve viagem à Guiana Francesa onde se encontrou com o presidente francês Nicolas Sarkozy para celebrar alguns acordos entre os dois países e anunciar o início da construção de uma ponte internacional cruzando o rio Oiapoque. Além da ponte, consta do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) o asfaltamento de 300 km da rodovia BR-156, no Amapá, ligando os municípios de Oiapoque e Ferreira Gomes.Sem negar a importância dessa ligação internacional, é relevante mencionar que o Amapá não possui ligação por terra com o restante do País. A projetada rodovia Perimetral Norte, ligando o Amapá a Roraima, jamais saiu do papel, assim como a continuação da BR-163 na ‘calha norte’ do Pará, região que, na prática, se encontra bloqueada por reservas indígenas e ambientais. Ainda mais preocupante é se contatar que nada menos que 65% do território do Amapá é constituído por um ‘complexo’ de dois Parques Nacionais, uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável, três Estações Ecológicas, três Reservas Biológicas, uma Reserva Extrativista, uma Área de Proteção Ambiental, uma Floresta Nacional, além de quatro Terras Indígenas - Juminá, Galibi, Uaça, Waiãpi, que formam um ‘corredor’ de 9 milhões de hectares em área de fronteira e escassamente habitada. [1]De fato, as chamadas Áreas de Proteção Transfronteiriças (TBPA, em inglês) são objeto de atenção e estudos especiais de ONGs como a World Conservation Union (UICN, maior ONG ambientalista do mundo) e a Conservation International (Conservação Internacional no Brasil). A UICN, por exemplo, já catalogou 227 dessas áreas em todo o mundo, muitas das quais na América do Sul. Em 2006, a Conservation International publicou o livro “Transboundary Conservation – A new vision for protected areas” selecionando 28 desses complexos transfronteriços, das quais duas na Amazônia brasileira: em Roraima, o Parque Nacional do Pico da Neblina e o Parque Nacional do Monte Roraima, que se fundem a unidades de conservação na Venezuela e na Guiana para protegerem uma das áreas mais remotas da América do Sul; e na fronteira do Brasil com Guiana, Suriname e Guiana Francesa onde o aparato ambientalista está forjando a consolidação de quase 30 milhões de hectares de floresta onde vivem apenas 20 mil pessoas, a maioria das quais são índios e populações ribeirinhas. [2] O mapa abaixo dá bem a dimensão dessa área:

Complexo transfronteiriço (Fonte: “Transboundary Conservation – A new vision for protected areas”, Conservation International)


As ONGs já colocaram mais de 19 milhões de dólares para consolidar as áreas de proteção transfronteiriças ‘compartilhadas’ entre o Brasil e as ‘Guianas’, incluindo algumas ‘expedições’ internacionais de reconhecimento. A esse quadro, deve-se agregar o recente acordo do governo da Guiana para que a Grã-Bretanha seja responsável pela ‘manutenção da floresta’ guianense em troca de um pacote de financiamentos para o ‘desenvolvimento sustentável’. [3] Contudo, como este Alerta já analisou exaustivamente, a perspectiva estratégica requerida para um melhor entendimento da questão deve considerar a lendária e cobiçada ‘Ilha de Guiana’, região compreendida entre os rios Orenoco, Cassiquiare, Negro e Amazonas. Geograficamente falando, a região de fato é uma ilha:
Até hoje, a parte brasileira da Ilha de Guiana não tem comunicação terrestre com o restante do País, o que representa uma considerável fragilidade estratégica que, em parte, deveria ser neutralizada com o Programa Calha Norte mas que, infelizmente, não tem merecido a devida importância pelo governo brasileiro.Contudo, parte dessa ‘desconexão’ terrestre, que inclui Manaus e a Zona Franca, está por ser mitigada. Essa semana, o governo brasileiro anunciou que vai licitar no primeiro semestre deste ano o maior projeto de linhas de transmissão de energia já feito no país, e que vai integrar o sistema isolado da região Norte ao sistema elétrico nacional, beneficiando cerca de 2,2 milhões de pessoas. Serão 1.811 quilômetros de extensão pelo meio da Amazônia, ligando Tucuruí, no Pará, a Manaus, no Amazonas, sustentadas por dezenas de torres de cerca de 300 metros, praticamente a altura da torre Eiffel. "É um marco pelo tamanho da obra e porque finalmente o país estará eletricamente unido", afirmou a jornalistas o presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), Maurício Tolmasquim. Ele admitiu que existem desafios de logística a superar para a construção da linha principal, que terá uma ramificação até Amapá, e das sete subestações que fazem parte do projeto. [4]Seria o caso do governo brasileiro ao menos cogitar de fazer a difícil travessia do rio Amazonas por meio de um túnel fluvial de uso múltiplo, ou seja, que serviria para as linhas de transmissão, mas também de uma ligação rodoviária com Manaus e a ‘Ilha de Guiana’. Seria uma obra monumental e bem mais cara, mas de enorme significado estratégico para o futuro do País.



Notas:

[1]Eco-colonialismo atinge América do Sul em cheio, Alerta Científico e Ambiental, 18/09/2003

[2]Sem fronteiras, O Eco, 19/03/2006

[3]Uma lição inglesa para Roraima, Alerta Científico e Ambiental, 28/11/07

[4]Linha de transmissão de energia na Amazônia terá torres de 300m, Reuters, 14/02/2008

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