domingo, 17 de fevereiro de 2008

MINHA LÍNGUA É MINHA PÁTRIA

Higor Assis
São Paulo, SP

“Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra: todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro”. Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; e quem for possuído com crescente perfeição pelos idiomas da Europa, vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da fala materna com as suas influências afetivas, que o envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo do Verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo do caráter. Por isso o poliglota nunca é patriota. Com cada idioma alheio que assimila introduzem-se-lhe no organismo moral modos alheios de pensar, modos alheios de sentir. O seu patriotismo desaparece, diluído em estrangeirismo...Por outro lado, o esforço contínuo de um homem para exprimir, com genuína e exata propriedade de construção e de acento, em idiomas estranhos - isto é: o esforço para se confundir com gentes estranhas no que elas têm de essencialmente característico, o Verbo – apaga nele toda a individualidade nativa. Ao fim de anos, esse habilidoso, que chegou a falar absolutamente bem outras línguas além da sua, perdeu toda a originalidade de espírito, porque as suas idéias forçosamente devem ter a natureza incaracterística e neutra que lhes permita serem indiferentemente adaptadas às línguas mais opostas em carácter e gênio. Devem, de facto, ser como aqueles corpos de pobre, de que cabem bem na roupa de toda a gente. Além disso, o propósito de pronunciar com perfeição línguas estrangeiras constitui uma lamentável sabujice para com o estrangeiro. Há aí, diante dele, como o desejo servil de não sermos nós mesmos de nos fundirmos nele, no que ele tem de mais seu, de mais próprio – o Vocábulo. Ora isto é uma abdicação de dignidade nacional.“Não, minha Senhora! Falemos nobremente mal, patrioticamente mal, as línguas dos outros! ...”

Meu comentário:

Cena I: Imagine um grupo de jovens brasileiros de classe média alta, do colégio de elite tal... , com cursos de inglês avançado, acesso à Internet e que fez intercâmbio e coisa e tal . Agora imagine que um dos jovens do grupo saiba falar fluentemente a língua de Shakespere, mas, por acaso (ou por sacanagem, mesmo...), resolve falar, propositadamente, inglês com sotaque nordestino arrastado: "Yiiiéééiiiissss!!!. "Óoofffííí Coursiiii!!!Para se referir ao mecanismo dos carros que resguarda o passageiro nas batidas, fala não "air-beg" (com aquele "erre" acentuado, quase como um mineirinho), mas "éerrbééég" ... Bem nordestino, bem cantado. Com sotaque mesmo, naquele espírito de sertão, de caaaatiiinga. Imagine que tenha feito isto só para observar a reação dos seus coleguinhas esnobes. Agora, imagine a reação dos instruídos desavisados que estão a sua volta, também bem educados na língua inglesa. Ao ouvirem o som arrastado do perfeito inglês do jovem, mas pronunciado em sotaque tipicamente nordestino, sentem-se agredidos. Com certeza, as expressões de menosprezo, de asco, de irritação esnobe, de indignação, mesmo, seriam uma realidade substantiva na cena. Olhariam com verdadeiro desdém o jovem que ousasse tal sacrilégio contra a nobre língua do rei Arthur, como se aquilo afetasse a própria nobreza e sapiência de suas almas. Reagiriam gozando maliciosamente o imprudente...lógico!

Cena II: Agora imagine um francês em qualquer parte do Mundo. Imagine que seja um francês comum, com alguma cultura e que sabe falar algumas outras líguas, que não ofrancês. Está num café em Madagascar, em Bueno Aires, em Pequim, no Rio de Janeiro ou em Sousa, na Paraíba. Não importa. Ao pedir uma cerveja ao garçon, tenta ser simpátio, faz esforço para falar corretamente a língua local para poder se comunicar, mas não deixa de lascar aquele típico sotaque francês: "Pooorr favouur, uma cervejáá". Qualquer francês mediano sabe falar várias líguas. Afinal, a Europa é quase do tamanho do Brasil, mas tem uma infinidade de idiomas e dialetos. É comum um jovem de segundo grau saber outras línguas além da sua. Mas o nosso francês hipotético, como qualquer francês, não abre mão de sua pronúncia. Mesmo mostrando cultura e aparente respeito pela pluralidade cultural, falando na língua do país que está visitando, não sente a mínima vontade de assassinar o seu jeito característico, tipicamente parisiense de falar, que o identifica, que o diferencia e singulariza. Agora imagine que, ao lado da mesa do parisiense, estão os mesmos energúmenos deslumbrados que, na cena anterior, observaram com desdém purista o personagem anterior falar inglês perfeitamente correto, mas com sotaque nordestino. Ao contrário do que fizeram anteriormente, agora, com relação ao francês ao lado, ficarão encantados. Observarão que o sotaque do francês é sinônimo de charme e de forte personalidade. Verão o francês como um exemplo claro de homem culto e nacionalista, mas que tem uma visão cosmopolita da realidade...e blá,blá, blá.... Contraditoriamente, na cena anterior, viram o brasileiro culto cometer, para eles, não o ato que deveria ser simples: um brasilerio falar um idioma estrangeiro com seu próprio sotaque, mas como um incompetente em línguas, um verdadeiro "sacrilégio", por ter escorregado na pronúncia da língua de Edgard Alan Poe. É isso! Nessas coisas de subserviência cultural são sempre "dois pesos e duas medidas". Não há critérios lógicos, mas políticos. O que rola é nada mais nada menos do que subserviência canina e falta de amor próprio. Os franceses são sabidamente um povo patriota. Foram várias vezes invadidos, passaram por guerras e revoluções constantes. Talvez este fato tenha moldado neles aquele nacionalismo que, aos olhos dos outros, pode parecer arrogante, mas que é o que os fazem especiais para si mesmos. Mas, antes de tudo, sabem que este patriotismo começa pela sua língua.
Mas, a questão inicial era: por que o francês, que mantém o seu típico sotaque, ao falar em outra língua, é visto como símbolo de charme; e o nordestino, fazendo o mesmo com relação ao inglês, não?

Resposta: Há uma típica elite brasileira metida a cosmopoleba, mas que possui um deletério complexo de vira-lata no cenário mundial. São pessoas criadas para lamber as botas dos outros e que não têm o menor amor próprio. Para se afirmarem, para se sentirem especiais com relação aos seus próprios irmãos brasileiros, recorrem às viestimentas, comportamentos, valores e idéias alienígenas. Guiados pela mania estúpida de copiar e valorizar tudo que vem de fora, em detrimento do que existe em sua própria cultura, sentem-se verdadeiros exilados em seu próprio país. Por isso, quando membros da classe média brasileira realizam o sonho maior de suas vidas - ir à MIAMI - , ficam tensos e ansiosos. Por exemplo, fazem questão de entrar em filas, civilizadamente, não por acharem que isto seja um imperativo ético, mas porque têm medo de serem confundidos com outros "latino-americanos", que não são bem vistos nos EUA. Quando retornam ao Brasil, tão logo colacam os pés em Guarulhos ou no Galeão, curiosamente, são os primeiros a furarem as filas tipiniquins. É isso.

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