domingo, 3 de fevereiro de 2008

Carta de amor a Macapá



José Sarney*
Uma moça morena do equador, cunhã tucuju, vigiando dia e noite as águas do Amazonas que passam, dia e noite, noite e dia, em demanda do mar salgado e, como dizia Fernando Pessoa, quanto desse sal são lágrimas de Portugal.Há 250 anos aqui chegava Francisco Xavier Mendonça Furtado para instalar a vila ou cidade, por ordem do Marquês de Pombal, o temido e louvado déspota esclarecido - Sebastião José de Carvalho e Melo. Chega, encontra João da Cruz Diniz Pinheiro que aqui morava como intendente desde 1752 e aqui morre em 1757, encarregado por ele de fa-zer a cidade, construir tudo, arrumar a terra. Trabalhou de pedreiro e marceneiro para fazer a igreja com paredes de taipa, ligada com pedra triturada do Algarve, vinda em navios de Lisboa, porque o cal das conchas marinhas não dava boa liga. Pombal, por Mendonça Furtado, seu meio irmão, nesse ato inaugural, funda a primeira cidade do Reinado de Dom José, a quem servia mandando e não obedecendo.Por aqui, desde 1612, quando o Brasil começava, passaram piratas de mar aberto e corsários de Saint Malo, Amsterdam, Portmouth, pilhando o ouro e a prata que os espanhóis tomaram dos astecas e incas e o pau-brasil e o açúcar que saía dos engenhos de Pernambuco.Os primeiros moradores vieram da Terceira, ilha dos Açores, e trouxeram 162 vacas, cavalos e sonhos. Plantaram arroz e fizeram uma fábrica de tecer algodão, cultivaram mandioca e até pensaram em criar bicho-de-seda.A História, e não só o Equador, passa e passaram por aqui. Todos sem deixar de achá-la bela. O bispo do Pará ficou seduzido e escreveu ao governador louvando “a bela importância [dessa] terra, os belos frutos, os salustíferos ares e o excelente pano”.O governador Mendonça Furtado escreve ao Rei, seu Senhor, e a seu meio-irmão Pombal: “…e se Deus me der saúde, vou logo fundar a nova Povoação de São José, se Sua Majestade for servido que assim se chame, e depois declarar-me se quer que seja vila ou cidade, boas terras”. “Todos os povoadores se acham contentes naquele sítio”.Ao longo dos anos foi feita com mão de amor pelos desbravadores que aqui chegaram, pelos mártires que aqui se enterraram no caminho desses dois séculos e meio.Macapá, hoje a cidade Capital do Estado do Amapá, princesa do Amazonas, lugar da chuva no falar dos índios, e a brasileira que se fez brasileira pelo sangue dos amapaen-ses, gente que pelo nascimento ou pelo amor lutaram para que o Amapá fosse Brasil.Cidade querida de gente boa e humana, no seu falar cantado, descendo e subindo nos barcos, rio vai e rio vem. Deus me deu a ventura de poder colocar flores no teu destino com o meu trabalho, com o meu amor, com a minha gratidão. Eu te prometo, agora, o grande e monumental museu da madeira, a Fortaleza de um lado, o passado, o Museu-Universidade do outro, o futuro.Eu vejo os séculos que virão, a grande metrópole da margem do Amazonas. Quem viver verá.Macapá, misto de ternura e bondade, meu beijo de amor pelos 250 anos de glória e trabalho.




*José sarney Ex-presidente, senador pelo Amapá e acadêmico da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa. E-mail: sarney@senador.gov.br

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