quarta-feira, 2 de abril de 2008

América Latina

FERNANDO LUGO, A NOVIDADE PARAGUAIA

O Paraguai vai voltar com força às manchetes nas próximas semanas. Os assuntos não serão os sacoleiros de Ciudad del Este ou a enxurrada de produtos vendidos por boa parte dos camelôs de todo o Brasil. É algo muito mais sério. Dia 20 de abril acontecem as mais disputadas eleições paraguaias em várias décadas. Há muitas novidades em jogo. A primeira é que, pela primeira vez em 65 anos, o velho Partido Colorado pode ser afastado do poder. A segunda é a possibilidade de esta longa hegemonia ser quebrada por uma amplíssima coalizão de centro-esquerda, que abriga de comunistas ao tradicional Partido Liberal Radical Autêntico, agremiação formada por setores nacionalistas. Na cabeça de tudo, o ex-bispo Fernando Lugo, um adepto da Teologia da Libertação. O religioso apresenta uma vantagem de 10 pontos percentuais sobre o segundo colocado na disputa, o ex-general Lino Oviedo, um dissidente colorado, seguido da ex-ministra da Educação Blanca Ovelar, a candidata do partido governista. Os programas de todos os candidatos propõem algum tipo de revisão ao Tratado de Itaipu, firmado em abril de 1973 entre as ditaduras de Emílio Garrastazu Médici, do Brasil, e de Alfredo Stroessner, que governou o Paraguai com mão de ferro entre 1954 e 1989. Através do documento, ficou acertada a construção da maior usina hidrelétrica do mundo, até então, na fronteira dos dois países. Com validade de 50 anos, o acordo baliza a repartição da energia por ela gerada. Metade fica com o Brasil e metade com o Paraguai. Como o país utiliza apenas 12% do total produzido, pelos termos do documento, é obrigado a vender a eletricidade sobrante ao Brasil, a preços que oscilam de U$S 22 a U$ 44 o Kwh. A média de preços da energia hidrelétrica no mercado brasileiro passa dos U$S 80 o Kwh.

Soberania hidrelétrica

A construção de Itaipu, entre 1974 e 1981, consumiu cerca de US$ 16 bilhões em valores da época, pagos em sua maior parte pelo Brasil, e representou um marco decisivo no desenvolvimento dos dois países. A usina é responsável por 19% do PIB paraguaio, com ingressos para os cofres públicos locais de cerca de US$ 1,5 bilhão ao ano. A revisão pretendida pode dobrar o montante arrecadado. A medida tornou-se quase um fator de unidade nacional, sendo chamada de `recuperação da soberania hidrelétrica`. Nenhum candidato em campanha defende o tratado tal como está, sob pena de perder votos. O mais radical é o ex-bispo Fernando Lugo. O engenheiro elétrico Ricardo Canese, um dos coordenadores de sua campanha, diz objetivamente o que pretendem, em um livro recém lançado: `Para chegar a uma eqüidade em Itaipu e transformar este ente binacional no principal instrumento de desenvolvimento do Paraguai (...) se requer: 1. Poder vender livremente nossos excedentes elétricos; 2. Receber um preço de mercado pela exportação de tal excedente (que é da ordem de US$ 3 bilhões ao ano)`. A meta de Canese é real. A Argentina, outro vizinho paraguaio, enfrenta uma estrutural crise energética, após anos de falta de investimento das empresas privatizadas nos governos de Carlos Menem (1989-1999). A Casa Rosada buscou, em vão, comprar, a preços de mercado, energia de Itaipu. O Tratado impede tal negociação. Os interesses de brasileiros também serão afetados pela proposta de reforma agrária de Lugo. A maior parte das grandes propriedades é de brasileiros, que foram para o outro lado da fronteira entre os anos 1970 e 1980. Tomadas pelas culturas de soja - e agora de cana -, essas terras voltam-se para a agricultura de exportação.

Gilberto Maringoni é jornalista.

Extraído da página Correio da Cidadania(http://www.correiocidadania.com.br/)

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