domingo, 27 de abril de 2008

Carlos Chagas

A conspiração da obscenidade

Jamais se viu coisa igual. O governo e a mesa da Câmara estão conspirando contra os velhinhos. Ainda mais em se tratando de um presidente da República que pertence ao Partido dos Trabalhadores, sem esquecer que a Câmara é presidida por um petista. Ficou acertada na reunião de quinta-feira do Conselho Político a estratégia para não ser votado projeto já aprovado no Senado, dando 16.5% de reajuste aos aposentados e pensionistas que recebem mais do que um salário mínimo. Para eles, apenas os 5% concedidos faz pouco. Imaginando não submeter-se ao vexame de rejeitar a proposta, pois maioria para isso eles dispõem, decidiram os detentores do poder empurrar a votação com a barriga. Deixá-la para o ano que vem ou para o outro, quer dizer, para nunca. O pretexto é de que o tesouro nacional não suportaria o encargo e que a Previdência Social iria à falência. Mentira. Apesar da generalização endossada há décadas, exceção apenas para Waldir Pires e Antônio Brito, quando ocuparam o ministério respectivo, seria mais ou menos como convocar o Herodes para ministro, encarregado de resolver o problema dos bebês. Ou os bebês, como os velhinhos, não dão prejuízo, obrigando os pais a despesas com mamadeiras, fraldas e remédios?
No caso dos pensionistas e aposentados, só condenando à morte, depois de trabalharem a vida inteira, descontando para ter o direito de um fim de existência digno e agora, quando mais enfrentam despesas com médico, remédios e sucedâneos, encontram-se garfados por obra e graça de um governo e de uma Câmara plenos de benesses, vantagens e mordomias. O Senado cumpriu o seu dever, mas os deputados, pelo jeito, darão de ombros para o deles. Como este é um ano eleitoral, mesmo no âmbito municipal, encontraram um subterfúgio. Em vez de derrotar o projeto, vão protelá-lo. Aqui para nós, fica ainda pior quando, no mesmo dia, o Palácio do Planalto anunciou mais uma rodada de cortes no orçamento: vão sumir 6,5 bilhões destinados à educação e à saúde, bem como 5,3 bilhões para obras de infra-estrutura.

Para ler a coluna completa de Carlos Chagas, acesse:


Minha opinião:

Em primeiro lugar, o que está em jogo é o cumprimento da Constituição, especialmente os artigos 165, 194, 195 e 239, que versam sobre a seguridade social e o orçamento da seguridade social. Há, entre os que querem ferrar com os aposentados e pensionistas, uma idéia fiscalista energúmena do conceito de déficit. Coisa que precisa ser explicado para as pessoas. Geralmente os advogados do Diabo, que defendem a visão zarolha neoliberalóide, lançam mão de um raciocínio meramente contábil e catastrofista, mas errado. Por que não falam em déficit do SUS ou da educação? Ou déficit das Forças Armadas? Ou de outras funções especiais de Estado? Simplesmente porque, nesses casos, eles não identificam nenhum descompasso entre estrutura de financiamento e estrutura de despesas. Já no caso da Previdência, que, para eles, deveria ser algo totalmente autofinanciável pelos segurados, não se vê um descompaço contábil entre arrecadação estrita ao INSS e o conjunto das despesas previdenciárias, incluindo a Previdência rural, o BPC/Loas e os regimes próprios do setor público. Há dois problemas nítidos nessa argumentação: 1) aplica apenas o raciocínio contábil da capitalização atuarial individual a um modelo que é na verdade de repartição simples e, lógico!, de função social ativa; e 2) confunde alhos com bugalhos, quando diem que há déficit da Previdência quando o que ocorre é roubo do dinheiro da previdência para pagar agiotas da plutocracia financeira internacional e nacional. Ou seja, o que sempre esteve por trás da reforma da seguridade é a disputa por recursos públicos para pagar os especuladores que se beneficiam dos juros pagos aos títulos da dívida pública. A Previdência é o segundo maior item de gasto corrente. Daí a fome do "mercado" pela reforma e captura desses recursos.

Para se compreender melhor o problema, não deixem de ler o artigo que escrevi para o "Jornal Opção", edição de em 13 a 19 de abril de 2003. Confiram:


A revolução de Lula e o mito do déficit da Previdência
Said Barbisa Dib

Parece que a eleição de Lula foi realmente uma revolução. Pelo menos no plano político está havendo uma verdadeira reviravolta nos preconceitos da população — e da mídia — acerca dos partidos políticos. O papel de “defensor das causas populares”, outrora desempenhado pelo PT, começa a ser assumido (ou finalmente reconhecido) por políticos de outras siglas. A começar pelo senador Paulo Octávio (PFL-DF), que resolveu dar um basta nas falácias e mitos que envolvem a discussão acerca da reforma da Previdência. Ele comunicou a apresentação de projeto imprescindível que objetiva estabelecer vinculação para os recursos destinados à seguridade social, explicando que, atualmente, “não é possível diferenciar no Orçamento as parcelas destinadas à seguridade social”. “Os recursos alocados para a seguridade têm sido insuficientes e o meu projeto tem o objetivo de minimizar esta distorção e fazer com que os recursos sejam aplicados obrigatoriamente nessa área”, disse. Paulo Octávio afirmou que sua proposição visa a complementar os esforços do governo com a reforma da Previdência, mas, na verdade, tocou na ferida das intenções inomináveis do ministro Berzoini sobre o problema. Afinal, os argumentos destilados até agora pelo atual governo, que justificariam o açodamento da reforma petista, ultrajante para com os aposentados e pensionistas, baseiam-se no que seria o déficit do setor em decorrência, principalmente, dos “privilégios” dos servidores públicos. Um argumento canalha e mentiroso que tenta estigmatizar, mais uma vez, toda uma categoria de profissionais que serve ao Estado, mas que sempre foi colocada como “boi de piranha” para encobrir os desvios das contas da Previdência para outras contas do Orçamento. Estas, feitas única e exclusivamente para garantir a subserviência dos tecnocratas apátridas aos lucros dos “investidores” estrangeiros, constituídos em sua maioria por aposentados dos países do dito “Primeiro Mundo”, ou seja, detonam nossos velhinhos para garantir lucros para os deles. O que o povo não sabe — e a imprensa esconde — é que arrecadam-se para a seguridade social — que abrange a saúde, previdência e assistência social, mediante as contribuições — muito mais do que os impostos federais. Somando-se a contribuição previdenciária paga pelos trabalhadores, servidores públicos e empresas, Cofins, contribuição sobre o lucro, CPMF, contribuição sobre concursos de prognósticos, chega-se a cerca de 140 bilhões de reais. Parte significativa dessa quantia astronômica é desviada para compor o “superávit primário", mágica canalha para aplacar a voracidade dessa abstração enganosa que chamam de "mercado", pagando recursos para assegurar o serviço da dívida. Na verdade, o que o senador Paulo Octávio tenta combater tem base no estudo da Associação Nacional dos Fiscais da Previdência (Anfip), que demonstra que a Previdência Pública teve um superávit de 36 bilhões de reais em 2002. Intitulado “Sistema de Seguridade Social brasileiro e superavitário”, o documento divulgado pela entidade denuncia que a Seguridade Social (Previdência, Assistência e Saúde) tem dinheiro de sobra para pagar aos aposentados e pensionistas, contanto que seus recursos deixem de ser, inconstitucionalmente, desviados para outros rombos do governo federal. Os números apresentados mostram que o aumento observado na carga tributária não tem como causa o propalado “déficit” da Previdência, mas, sim, destina-se ao Orçamento Fiscal da União, este, sim, a verdadeira fonte de desequilíbrio no governo anterior. É isso aí, meu povo! Nada como um dia após o outro. A verdade sempre aparece; basta o tempo, este grande corregedor de mentiras e destruidor de mitos. O funcionalismo — e a existência efetiva do Estado brasileiro — agradece, senador Paulo Octávio.
SAID BARBOSA DIB é historiador e analista político.

O texto está em:

Lula, CPMF e a contribuição dos inativos
17/10/2007

Honoré de Balzac dizia que "remorso é impotência. Quem o tem certamente voltará a cometer o mesmo pecado". E advertia: "Apenas o arrependimento é uma força que põe termo a tudo". Parece que Lula substituiu efetivamente o primeiro sentimento pelo segundo quando o assunto é Previdência Social. Talvez por isso, ao contrário do que vêm pensando os analistas mais apressados da imprensa, houve a aprovação, na semana passada, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da admissibilidade da proposta que acaba com a contribuição previdenciária dos inativos. O presidente estaria preocupado em deixar uma imagem mais positiva junto, principalmente, à classe média, setor mais atingido pela reforma previdenciária. Acha que este setor vem sendo o grande empecilho para entregar a faixa presidencial quase como uma unanimidade nacional em 2010. Avalia o presidente que tirar 11% dos proventos dos aposentados e pensionistas do serviço público, que recebem acima de R$ 1.058, para garantir apenas R$ 2 bilhões por ano ao governo, é um custo político muito alto e por quase nada. Ele avalia que, no seu primeiro mandato, amarrado pela "herança maldita" do "tucanato", teve que beneficiar os banqueiros, mas, diferente de FHC, quis atender também aos extremamente pobres, com o "Bolsa Família". Setor, aliás, que viabilizou a sua reeleição. Mas, assume que teve de deixar a classe média a ver navios. Agora, Lula tem de estar atento a ela não só pela óbvia estabilidade política que o fortalecimento desse setor traz, mas, também, pela sua grande capacidade geradora de empregos, impostos e consumo, pois é responsável por aproximadamente 60% das vagas criadas pela economia e faz circular riquezas para as atividades que basicamente dependem dela, tais como: hotéis, agências de viagens, empregados domésticos, lavanderias, feiras, planos de saúde, serviços automotivos, restaurantes, construção civil, etc. É da classe média que vem cerca de 62% da receita dos shoppings, 58% do setor de educação, 61% do setor automotivo, 60% do setor mobiliário, 50% da receita dos supermercados e do setor de telecomunicação. A classe média é responsável, ainda, por 67% da arrecadação do Imposto de Renda e cerca de 70% dos impostos sobre o patrimônio. A verdade é que e as políticas econômicas dos últimos anos vêm tratando a classe média como um segmento privilegiado que deve cada vez mais contribuir para os cofres públicos. Contribui pesado, mas não usufrui dos serviços prestados pelo Estado, cuja inércia a obriga a comprometer cerca de 102 dias/ano da sua renda para adquirir serviços privados (educação, plano de saúde, previdência privada...). Porém, segundo analistas mais maliciosos, o que ocorreu na CCJ da Câmara não seria apenas um descuido dos governistas, nem ao menos a revelação do arrependimento presidencial, mas, sim, uma certa dose de pragmatismo do presidente para enfrentar a "Batalha da CPMF", que se aproxima. Batalha que será sangrenta, principalmente no Senado. Afinal, abrir mão de R$ 2 bi dos velhinhos em troca dos R$ 30 bi da CPMF não seria um mau negócio. É claro que, infelizmente, a especulação que segue neste artigo é ainda pura divagação. Lula não vem demonstrando nenhuma intensão neste sentido. Ainda se mostra impotente diante da facção tecnocrático-monetarista de seu próprio governo. Mas, bem que poderia surgir algum político para colocar a questão dos inativos na pauta de negociação da CPMF. Seria muito bom, porque suportaríamos o absurdo da CPMF por mais alguns anos, mas saberíamos que, pelo menos para os aposentados e pensionistas, as coisas ficariam um pouco melhores. Lula mostraria seu arrependimento, amenizando o ódio da classe média – e o político que fizesse a sugestão teria boas repercussões eleitorais. Quem se oferece? *Said Barbosa Dib é analista político e historiador.
Fonte: Congresso em Foco

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