terça-feira, 1 de abril de 2008

Cultura Popular


O jogo da cara ou coroa
Gustavo Barroso

Todos nós sabemos que os moleques e garotos das nossas cidades e vilas do interior se reúnem nas esquinas, ou à sombra de árvores, para jogar, com um vintém, ou um níquel, como os soldados o fazem nas suas tarimbas, o jogo da cara ou cunho, ou da cara ou croa. Fazendo girar rapidamente a pequena moeda, o banqueiro, de repente, cobre-a com a mão e pergunta:
— Cara ou croa?
Então, os apontadores fazem as apostas, depositando o dinheiro delas nas costas das mãos do banqueiro. Este descobre a moeda e ganham aqueles que acertaram qual a face da moeda que está voltada para cima.
Este jogo nos vem da mais alta Antigüidade. Fala dele o escritor latino do IV século, Sextus Aurelius Victor, na sua Origo gentis romanae (Paris, Edição Panckoucke, 1846), nestes termos: "Istum etiam usum signandi aeris ac monetae in forman incutiendae ostendisse traditur, in qua ab una parte caput ejus imprimeretur, altera navis, qua vectus illo erat. Unde hodieque alcotores, posito nummo opertoque, optionem collusoribus ponunt enuntiandi, quid putent nuberse, caput aut navem: quod nunc vulgo corrumpentes naviam dicunt". Isto é: "dizem que Saturno inventou o uso de trabalhar o cobre e cunhar moedas. Dessas, cada uma tinha de um lado a cabeça de Janus, e, do outro, a figura do navio que trouxera Saturno ao Lacio. Por isso, até hoje, os jogadores, depois de ter colocado e tapado o seu jogo, deixam aos seus adversários a escolha de apontar qual das faces julgam estar escondida: cabeça ou navio, que agora se chama corrompidamente navia".
O documento é bastante, creio, para provar a velhice desse jogo querido dos garotos e dos soldados, que, apesar de tantos centenários, só mudou de nome pela metade: de cara ou navio passou a ser cara ou croa e, por fim, cara ou cunho.

(Barroso, Gustavo. O sertão e o mundo. Rio de Janeiro, Livraria Leite Ribeiro, 1923, p.260-262)
Este texto encontra-se em: www.jangadabrasil.com.br

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