sábado, 26 de abril de 2008

Argemiro Ferreira



Na quarta-feira o colunista Elio Gaspari fez na página de opinião de O Globo esta afirmação sensata: “O que menos importa na eleição de Fernando Lugo para a presidência do Paraguai é o seu interesse em renegociar o tratado de Itaipu. Mesmo que por algumas semanas esse tema seja transformado num circo ele amadurecerá num nível em que se juntam presidentes, diplomatas e técnicos” (leia AQUI a cobertura do Los Angeles Times sobre a vitória de Lugo).
O problema é que o próprio O Globo está há muito dedicado ao circo - desde antes da eleição do Paraguai. Como não conseguiu a guerra com a Bolívia, quem sabe desta vez, botando ainda mais lenha na fogueira, provoque a do Paraguai. O jornal dos irmãos Marinho, com seus “generais de redação”, nunca desiste, sempre aposta no retrocesso. Para isso recorre ainda ao seu bicho-papão predileto, Hugo Chávez.
O que falta, talvez, seja um Roberto Marinho para puxar a orelha dos “generais” e dizer a eles que o venezuelano Chávez não elegeu os Kirchner na Argentina, nem Morales na Bolívia, nem Correa no Equador, nem Tabarez Vasquez no Uruguai e nem Lugo no Paraguai. Apenas teve sensibilidade suficiente para perceber que o povo, em cada um desses países, queria mudança - e havia boas razões para isso.


Problemas que ajudamos a criar


De fato Roberto Marinho era apaixonado pelas ditaduras de Salazar e Franco, acreditou piamente na fantasia das “províncias portuguesas de ultra-mar” e repetiu à exaustão editoriais retrógrados em defesa do que não passava de relíquias obsoletas de um colonialismo intolerável. Mas apostaria, depois daquela lição, na promiscuidade Uribe-paramilitares-Bush como modelo para a América do Sul?
Até O Globo terá de admitir que não há outro caminho para o governo Lula além do reconhecimento da realidade. O gás da Bolívia e a energia de Itaipu não são problemas criados por Morales e Lugo. Ao contrário: os dois chegaram ao poder, ao menos em parte, por causa daquela realidade que ajudamos a criar - tão intolerável para bolivianos e paraguaios como o império colonial português para os africanos.
“Generais de redação” culparão Chávez ou Fidel. Mas em mais de meio século de ditadura colorada, como lembrou Gaspari, 16 presidentes do Brasil “deram uma mãozinha aos colorados”, cuja cleptocracia “se aninhou nas fímbrias de Itaipu, no contrabando de Ciudad del Este, nas lavanderias financeiras e na bandidagem da região da Tríplice Fronteira. Lamentavelmente, a cada malfeitoria de paraguaio corresponde outra, de brasileiro”, às vezes com origem do lado de cá (a íntegra do artigo de Gaspari pode ser lida também na Folha de S.Paulo, AQUI).


Acordos eleitorais criminosos


Enquanto isso acontece no sul do continente, na Colômbia está em apuros o herói dos “generais de redação” de O Globo, presidente Álvaro Uribe. Foi afinal para a cadeia Mario Uribe, primo dele e aliado político íntimo, além de ex-presidente do Senado (leia mais sobre o passado oculto dos Uribe NESTE texto de 2004). A prisão foi ordenada pelo Procurador Geral devido a suas ligações com os grupos paramilitares ilegais, ligados ao narcotráfico.
Trata-se daquele mesmo escândalo iniciado em 2006, embora o presidente - que também nomeou para o comando do Exército um general (Mario Montoya) ligado aos paramilitares - não só tenha sobrevivido até agora, com o respaldo (e os bilhões de dólares em ajuda) do governo Bush, como parece convencido de que, a exemplo do peruano Alberto Fujimori, ainda terá seu terceiro mandato (veja AQUI, no International Herald Tribune, como os paramilitares ressurgiram em partes da Colômbia, dedicando-se a narcotráfico e extorsão).
O primo do presidente tentou obter asilo na embaixada da Costa Rica - pedido rejeitado porque já havia ordem de prisão decretada pela Justiça. Ele tinha renunciado ao Senado há seis meses, para evitar o julgamento pela Suprema Corte do país. Entre outras coisas, será acusado de fazer acordos com paramilitares direitistas para expulsar milhares de camponeses de suas terras em Sucre e Antioquia (ligações da elite colombiana com paramilitares foram detalhadas no ano passado AQUI, pelo Washington Post).
Mario Uribe é acusado ainda de se reunir duas vezes com o líder paramilitar Salvatore Mancuso, com o qual fez acordos eleitorais no início de 2002, ano da primeira eleição do atual presidente (ind’icio eloquente do que se faz nas eleições de lá). A operação desencadeada para prendê-lo, segundoa impensa local, provocou as tempestades políticas. A metade dos 62 parlamentares acusados na investigação do paraescândalo já está na prisão.


Aquelas ligações perigosas


O plano de anistia do presidente Uribe destinava-se apenas a beneficiar os chefões paramilitares. Tornou-se um complicador ao ser descoberto que pelo menos 35% do Congresso estava sob o controle daqueles mesmos grupos ilegais, acusados ainda de relações promíscuas com narcotraficantes. Acredita-se que depois da reeleição de Uribe em 2006, aquela percentagem ampliou-se bem além dos 35%.
Álvaro e Mario Uribe fazem política juntos há mais de 20 anos. O primo do presidente tinha papel central na base de apoio ao governo. Em parte por isso, já houve vários confrontos entre o Judiciário e o Executivo. Em setembro do ano passado, Uribe iniciou ainda a série de confrontos com a Suprema Corte e seu presidente, César Julio Valencia, por causa das investigações.
O envolvimento da família Uribe com paramilitares e o narcotráfico já era denunciado há anos. Na década de 1980 o pai do atual presidente ligou-se com chefões dos cartéis de Medellin, em especial os Ochoa e Pablo Escobar. Virginia Vallejo, ex-amante de Escobar, afirmou no seu livro Armando Pablo, Odiando Escobar que o pai de Uribe, como diretor da Aeronáutica Civil, assinara dezenas de licenças para favorecer aviões de narcotraficantes (saiba mais sobre o livro AQUI).


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