domingo, 22 de junho de 2008

Economia

Me engana que eu gosto
Delfim Netto

O Brasil tem sido um dos países mais beneficiados pela expansão da economia mundial. No fim de 2002, estava com duvidosos “sinais vitais” precariamente sustentados na UTI do FMI. Graças à ciência dos nouveaux économistes, a taxa do crescimento do PIB per capita, entre 1995 e 2002 (depois da estabilização monetária, sem o ajuste fiscal necessário), foi de apenas 0,8% ao ano. A política cambial oportunista executada no primeiro mandato de FHC para controlar a inflação sustentou uma valorização do real, à custa de taxas de juro reais da ordem de 20% ao ano, que produziram um aumento da Dívida Pública Líquida/PIB de 30%, em 1994, para 51%, em 2002, a despeito do fantástico aumento da carga tributária/PIB. Houve ainda uma acumulação de déficits em conta corrente de 186 bilhões de dólares no mesmo período, financiados com apressadas (mas benéficas) privatizações. As exportações cresciam à taxa de 3,8% ao ano, a dívida externa bruta em dólares a 4,5% e nossas reservas livres, em 2002, eram uns minguados 17 bilhões de dólares. Não é preciso ser um sofisticado economista para intuir que a falência múltipla de órgãos era uma questão de tempo. Pois não é que em 2003 se verifica um misterioso “salto quântico”, que devolveu a saúde ao doente? De 2002 a 2007, as exportações cresceram 22% ao ano, a Dívida Externa Total/Exportação caiu de 350% para 120%, o montante de reservas superou a Dívida Externa Pública e a taxa de crescimento do PIB per capita passou de 0,8% para 2,4%. Esses números parecem pequenos, mas, quando acumulados em 25 anos, fazem a diferença entre um crescimento do PIB per capita de 20% ou de 80%, no período. É claro que ainda estamos longe do crescimento robusto de 1950 a 1984, quando crescemos a 3,7% ao ano e aumentava 150% em cada geração. Não há nada que impeça o Brasil (a não ser os brasileiros) de voltar a crescer a essa taxa, principalmente agora que recebemos um bônus demográfico, com a redução do crescimento da população de 2,7% ao ano (1950-1984) para 1,4% e convergindo para 1,2%. Nosso grande risco é ficarmos velhos sem termos ficado ricos. Toda a história econômica do Brasil mostra que os dois fatores que abortam o crescimento são: 1. A falta de energia. 2. O déficit não financiável em conta corrente. Quando éramos importantes importadores de petróleo, havia uma relação entre eles, que aparentemente vai sendo superada com a auto-suficiência energética no horizonte próximo. É importante compreender que nossa situação externa é hoje confortável, mas que não avançamos em participação no valor total do comércio mundial, como fizeram a China e a Coréia. Desde 1980-1984 o Brasil representa apenas 1,2% do comércio mundial, enquanto a China e a Coréia correspondem hoje, respectivamente, a 9% e 2,8%. Esses números testemunham as péssimas políticas cambiais idiossincráticas entre 1986 e 1994; a tragédia de 1995 a 1998 com o controle oportunista da taxa de inflação, pela valorização cambial sustentada pela imensa taxa de juro real. O breve interregno de lucidez de 1999 a 2004 e, depois, a volta do uso oportunista da taxa de câmbio com o mesmo expediente da maior taxa de juro real do mundo. É verdade que melhoramos muito e nos encontramos hoje numa situação mais confortável, quando comparada com os últimos 25 anos. Mas é um grave equívoco pensar que o velho expediente de atrair aplicações em Bolsa e no financiamento do governo, com taxas de juros exorbitantes para valorizar o câmbio e reduzir a taxa de inflação, não vai cobrar o preço, que sempre cobrou no passado, quando a situação externa for menos benigna.

Este artigo está "Carta Capital" desta semana, no endereço:

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