sábado, 28 de junho de 2008

O Grupo Abril, a Sky e o laranjal



Por CARLOS LOPES

Na última quarta-feira, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) julgou improcedente a queixa da Abril contra a Globo por, supostamente, ter vetado, na operadora de TV por satélite Sky, “canais pagos de conteúdo brasileiro” e “compra de conteúdo nacional” (cf. Boletim da 38ª Sessão Extraordinária do Cade). A Globo tem 26% da Sky no Brasil. A DirecTV, do magnata Rupert Murdoch, tem os 74% restantes.
O “conteúdo nacional” que a Abril queria que a Sky continuasse a veicular era a MTV – como se sabe, um canal de conteúdo nacionalíssimo, a partir do nome, sempre pronunciado por seus sagazes apresentadores como “êême-tíí-víí”, no mais puro vernáculo brasileiro, tão puro e tão brasileiro que nem é português – deve ser tupi-guarani.
Segundo a Sky, a Abril dobrou o preço pela transmissão da MTV e condicionou sua veiculação à de dois outros canais (Fiz e Ideal). Por isso, a Sky preferiu transmitir a MTV original, a norte-americana, em vez da versão que a Abril macaqueou, a “MTVBrasil”.
Se houve veto da Globo, ou deixou de haver, não sabemos. Difícil é que o pessoal do Murdoch, que tem a maior parte da Sky, concordasse com tais condições. Assim, é provável que a Abril esteja brigando com a Globo porque não tem coragem de enfrentar Murdoch diretamente. O Bob Civita sempre teve uma especial predileção por atacar os mais fracos e ficar de quatro para os mais fortes – veja-se o relato de Mino Carta, que foi membro do “board” (assim mesmo, em inglês) da Abril, no seu livro “O Castelo de Âmbar”.
A Globo, apesar de seus problemas – entre os quais o de servir de laranja na TV paga para a Telmex/ATT&T – pelo menos já produziu algum conteúdo nacional, e ainda produz, nem que seja a novela das oito. Não que esse conteúdo seja o supra-sumo da estética nacional. Pelo contrário, ele é cada vez mais desnaturado. Mas a Globo não é meramente uma esculhambação contrabandeada, plantada e conservada numa estufa de dólares obscuros, como a Abril.
Já esta última, não se tem notícia de nenhum conteúdo nacional que tenha produzido. Nem mesmo é um grupo brasileiro, desde que seu fundador, o falecido Victor Civita, cidadão americano de New York, chegou ao Brasil - e muito menos depois que seu herdeiro, Robert Civita, nascido na Itália, mas criado no grande país do norte, assumiu sua chefia.
Quanto aos produtos do grupo, a “Veja” é uma versão pornográfica da “Time” - da qual Robert foi diretor nos EUA. A TVA é sobretudo da Telefónica de España - mas também da Disney e do grupo Hearst (aquele cujo fundador serviu de modelo a Wells e Mankiewicz para o mais famoso tubarão da mídia no cinema, o “Cidadão Kane”). Fora isso, 30% do grupo é do Nasper, grupo de comunicação do nazismo sul-africano, isto é, do apartheid.
O que há de mais parecido com “conteúdo nacional” na Abril seria a “Capricho” e a “Contigo”, se também não fossem versões das revistas de fofocas dos EUA, com personagens que parecem brasileiros substituindo os americanos. Certamente, como os demais produtos culturais (cáspite!) dos Civita, parecem ter sido feitas com o uso de dois neurônios.
A Globo é um monopólio. Como tal, tem que ser limitado e regulado democraticamente pelo Estado. Ou seja, a coletividade, através do Estado, tem que coibir o seu caráter monopolista. Mas o que é a Abril, senão um monopólio pior ainda, muito mais suspeito desde suas origens, muito mais sem limites, muito mais mafioso, e sem nenhum vínculo com o país?
Por isso, é estranho que o deputado Bittar venha defender a Abril contra a Globo. Ou será que não é isso o que está fazendo ao dizer que “a Sky tirou do ar a MTV de forma unilateral”? O deputado tinha a opção de ficar calado - ou descer o relho nos dois. Até porque, durante anos, a Abril impediu que as demais operadoras transmitissem canais como os de filme da Time Warner (HBO), monopolizando-os inteiramente na TVA. Portanto, não pode agora fazer escândalo para obrigar outros a transmitir a gororoba que cozinha.
Porém, segundo Bittar, a Sky agiu dessa forma “porque o mercado está bloqueado”, propondo como remédio o seu substitutivo, o famigerado PL-29, que, simplesmente, libera a propriedade estrangeira na TV paga, ou, mais precisamente, a legaliza, transformando em monopólio aberto e legal o atual laranjal que, em virtude da Lei do Cabo, que proíbe mais do que 49% de capital externo, existe nesse segmento da comunicação.
A disputa entre as duas operadoras não são, realmente, uma manifestação de concorrência, portanto de “livre” mercado, e, sim, manifestações do monopólio – desavenças dentro de um cartel. Nisso, o deputado está certo. O problema está em que sua solução para desbloquear o mercado não é limitar o monopólio que o bloqueia, e sim deixá-lo à solta, com sua legalização - mais ou menos como se a sociedade pudesse se livrar dos ladrões pela legalização do roubo.
O sentido do seu projeto é, exatamente, mais do que bloquear, manietar o mercado de forma muito mais brutal – e muito mais estúpida.

Esta matéria está no "HORA DO POVO"

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