terça-feira, 24 de junho de 2008

Grande João Guimarães Rosa

O maior contador de histórias brasileiro, que completaria 100 anos esta semana, subverteu a literatura nacional

Por Roberta Campos Babo*

A poesia, o ritmo e a sonoridade de sua linguagem fizeram de João Guimarães Rosa "o feiticeiro das palavras". Mineiro de Cordisburgo, o escritor, que completaria 100 anos de vida, dia 27 de junho, traduziu bem a morte em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, três dias antes de morrer: "...a gente morre é para provar que viveu". Em homenagem a Rosa, a Caixa Cultural está exibindo, a partir de hoje, a mostra "Veredas - os filmes a partir de Guimarães Rosa", composta por 17 produções e três programas de TV relacionados ao universo do escritor.


Marco na evolução da literatura brasileira, a obra de Guimarães Rosa é, ao mesmo tempo, regionalista e universal. A palavra vale por si mesma. Recriadas, as palavras ganham força e significados novos. Sua linguagem parece criar uma outra realidade. A genialidade e originalidade do escritor são sua marca peculiar. Combinando o erudito com o arcaico e com as expressões populares, transformou a semântica, subverteu a sintaxe e apresentou ao leitor quase um novo idioma para contar as histórias da gente do sertão.
Seu regionalismo focalizava o ser humano em conflito com o ambiente e consigo próprio. Guimarães Rosa aboliu as fronteiras entre prosa e poesia. Mestre em cunhar novos termos, foi um pesquisador incansável dos hábitos e da fala dos sertanejos de Minas Gerais, assim como do português antigo e de várias outras línguas. Autodidata, começou ainda criança a estudar diversos idiomas, iniciando pelo francês quando ainda não tinha sete anos.
Primogênito de sete filhos, médico por formação, brilhante prosador, foi premiado por seu primeiro livro, "Magma", de 1936, e foi aclamado pelo público e pelos críticos ao escrever seu livro de contos, "Sagarana", de 1946.
Em sua obra-prima, o livro mais polêmico da literatura brasileira do século XX, "Grande Sertão: Veredas", publicado em 1956, Guimarães Rosa definiu o povo brasileiro e ensinou a pensar o País por outro viés, através da história do amor proibido entre Riobaldo e Diadorim. Traduzido para várias línguas, o romance de Rosa se compara, na literatura universal, a obras paradigmáticas como "Ilíada", de Homero, "Divina comédia", de Dante, "Dom Quixote", de Cervantes, e "Fausto", de Goethe.


A superstição e o misticismo o acompanharam por toda a vida. Quando jovem, o escritor colecionava insetos, borboletas e estudava história natural. Cidadão cosmopolita foi um reinventor da vida. Acreditava na força da lua, respeitava curandeiros e feiticeiros. Dizia que pessoas, casas e cidades possuíam fluidos positivos e negativos, que poderiam influenciar nas emoções, nos sentimentos e na saúde. Aconselhava os filhos a terem cautela e a fugirem de qualquer pessoa ou lugar que lhes causasse algum tipo de mal estar.
Através de sua obra, indagava o sentido da vida e da morte, a existência ou não de Deus e do diabo, o significado do amor, do ódio e da ambição. Joãozito, como era chamado, chegou a confessar que em seus primeiros textos escrevia friamente, sem paixão, preso a modelos alheios.
Iniciou na carreira diplomática em 1934. Exerceu muitas funções, entre elas as de cônsul-adjunto em Hamburgo, primeiro-secretário da Embaixada de Paris e, por duas vezes, chefe de gabinete do ministro das Relações Exteriores. Dividido entre a literatura e a carreira diplomática, fez longas viagens pelo interior brasileiro, sempre anotando os maneirismos de fala de jagunços, vaqueiros, prostitutas e beatas colhidos em conversas.
Publicou "Corpo de baile", de 1956, um conjunto de sete novelas. E ainda "Primeiras histórias", em 62, reunindo 21 contos curtos, e "Tutaméia", em 67, com 40 contos. Duas de suas obras foram publicadas postumamente: "Estas estórias", de 1969, e "Ave, palavra", publicada em 1970.


Três dias antes da morte o autor decidiu, depois de quatro anos de adiamento, assumir a cadeira na Academia Brasileira de Letras. Tinha medo da emoção que o momento lhe causaria. O escritor fez seu discurso de posse com a voz embargada. Parecia pressentir que algo de mau lhe aconteceria. Em 19 de novembro de 1967, ele morreria sozinho, subitamente em seu apartamento em Copacabana, no Rio de Janeiro. Mas não condenou ao silêncio o mundo dos contadores de histórias
Frases de Guimarães Rosa

"Vivo no infinito; o momento não conta. Vou lhe revelar um segredo: creio já ter vivido uma vez. Nesta vida também fui brasileiro e me chamava João Guimarães Rosa".
"Às vezes, quase acredito que eu mesmo, João, seja um conto contado por mim".
"Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração".
"A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação - porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada".
"Minha biografia, sobretudo minha biografia literária, não deveria ser crucificada em anos. As aventuras não têm tempo, não têm princípio nem fim. E meus livros são aventuras: para mim, são minha maior aventura".
"O homem nasceu para aprender, aprender tanto quanto a vida lhe permita".

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Influências de uma obra sem fronteiras
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