Adriano Benayon*
Vem à tona, desde julho de 2007, grande quantidade de títulos financeiros destituídos de valor. Isso é só uma parte da montanha que está implodindo. Foram emitidos por bancos e fundos na euforia mentirosa da globalização e da desregulamentação. Finalidade: lucros ilimitados sem esforço algum, a não ser dos chips dos supercomputadores que movimentam as centenas de trilhões de dólares e de euros virtuais criadas pelo sistema financeiro.
Nunca soou tão ridícula como agora esta nota, em destaque no portal do Tesouro dos EUA: “Os EUA têm o mercado de capitais mais forte do Mundo, e essa posição é conseguida através de trabalho duro e estratégias inteligentes.”
A especulação é antiga como o Mundo, mas não se deve pensar na finança só sob esse prisma: ela é necessária para prover moeda e finança a fim de desenvolver a economia real. Questão fundamental é esta: quem controla a emissão dos meios de pagamento à vista e a dos títulos de crédito, pois os detentores desse poder mandam na sociedade. A eles se subordinam os presidentes e os primeiros-ministros das potências hegemônicas e os de seus associados menores e satélites. Mais ainda, os pseudogovernantes dos países explorados pelo comércio e pelos investimentos diretos estrangeiros.
Os bancos centrais têm sido regidos pela oligarquia financeira, a raposa que controla galinheiros como o Banco da Inglaterra, há séculos, e o Federal Reserve (FED), desde sua criação em 1913, após a qual disse Louis McFadden, membro do Congresso dos EUA, depois assassinado: "Um super-Estado controlado pelos grandes banqueiros internacionais, agindo em conjunto para escravizar o mundo para o seu prazer. O banco central usurpou o governo."
O FED, feudo do cartel de bancos privados, é quem emite a moeda dos EUA, a principal do sistema mundial. Não, o Tesouro. Kennedy autorizou-o a emitir papel-moeda, mas o decreto foi revogado por Lyndon Johnson, poucos dias após o assassinato de Kennedy.
Está, pois, claro quem emite e controla a moeda e o crédito, e para favorecimento de quem. Os bancos, ademais das receitas com títulos públicos e privados, auferem juros dos empréstimos. O lançamento de títulos de empresas é outra fonte de ganhos. Esses títulos são objeto de opções e swaps etc. Deles saem derivativos e títulos colateralizados. Até índices de preços de ações e taxas de câmbio são securitizados. Além disso, há as taxas e comissões. Para investir, os bancos usam recursos do banco central a custo inferior aos juros que auferem; emprestam múltiplos dos depósitos à vista livres do depósito compulsório; aplicam investimentos de empresas e de outros.
Ávidos de lucros e poder, criam montanhas de ativos financeiros mais altas que o Everest. Para esse fim e tendo ascendência sobre os políticos, desmontaram os controles instituídos nos anos 30 em face dos terríveis males econômicos e sociais gerados pela bolha de 1929. Formaram outra a partir dos anos 80. Grana é o combustível da ideologia (neo)liberal e da globalização. Não há ninguém limitando suas decisões: essa é a origem do presente colapso financeiro mundial.1
Nos últimos vinte anos os ativos financeiros cresceram exponencialmente, em gritante desproporção com a inflação moderada dos ativos monetários. Os títulos de crédito, inclusive derivativos, ultrapassam 500 trilhões de dólares. Grande parte são junk bonds (títulos podres).2
A existência de tanto dinheiro seria impossível mesmo no plano simbólico do papel-moeda, dos certificados de títulos e dos lançamentos em livros. As transações financeiras e cambiais diárias, de trilhões de dólares, realizam-se através de supercomputadores. Inclusive para lavar dinheiro dos tráficos ilícitos: quanto mais operações, mais difícil retraçar a origem dos fundos.
Sem contar os derivativos, que atingiram somas inconcebíveis, acima de U$ 500 trilhões, os ativos financeiros chegaram a US$ 167 trilhões: 14 vezes a cifra de 1980. Em contraste com essa mega-inflação a economia real estagnou, por causa do baixo investimento na infra-estrutura e nas estruturas produtivas. Financiaram-se, antes, fusões e aquisições.
Daí ter declinado o emprego e os rendimentos da classe média, e surgido dificuldades para o pagamento de débitos em cima dos quais se criou a montanha dos derivados. O consumo foi estimulado pelo crédito, apesar de a maioria ter perdido renda real com a transferência em favor do segmento de 1% que, sozinho, detém 40% dela.
A inadimplência de devedores hipotecários detonou o colapso financeiro, mas este alcança empréstimos de empresas, cartões de crédito e muito mais. O sistema financeiro abusou da conversão de dívidas em títulos (securitização) e classificou débitos sub-prime como AAA.
A implosão tornou-se evidente desde o 1º semestre de 2007, quando grandes corretoras como Merrill Lynch e Lehman Brothers suspenderam a venda de colaterais, só conseguindo ofertas de 20 centavos por dólar de valor nominal. Em julho de 2007, bancos europeus registraram prejuízos com contratos baseados em hipotecas sub-prime. O IKB, da Alemanha, foi salvo com um empréstimo de emergência de US$ 11 bilhões, e houve corrida bancária ao britânico Northern Rock.
O colapso acarreta modificação estrutural no fluxo internacional de capitais. Até agosto de 2007, investidores fora dos EUA compravam mais do que vendiam títulos norte-americanos. Naquele mês o fluxo tornou-se negativo. Apesar de terem voltado as compras líquidas, a média de agosto a novembro (US$ 52,1 bilhões) foi menos que metade da média de janeiro a julho (US$ 113,1 bilhões). Os estrangeiros buscam livrar-se dos títulos de longo prazo.
A partir de outubro, parte substancial dos ingressos de divisas nos EUA provém do socorro por fundos soberanos da Ásia e do Oriente Médio, que adquirem títulos conversíveis em ações de bancos dos EUA. Em novembro, ações ordinárias do Citigroup foram compradas pelo fundo soberano de Abu Dhabi por US$ 7,5 bilhões.
O Citigroup, maior banco dos EUA, teve de vender, em 15.01.2008, ações preferenciais por US$ 14,5 bilhões ao Temasek, fundo nacional de Cingapura. Captou também da Autoridade de Investimentos do Kuwait. São US$ 26 bilhões desde o início do colapso. Merrill Lynch recebeu, em janeiro de 2008, U$ 6,6 bilhões da Companhia de Investimentos da Coréia, da Autoridade de Investimentos do Kuwait e de outros, além de US$ 6,2 bilhões em dezembro.
O suíço UBS deu baixa, no 3º trimestre de 2007, em 3,4 bilhões de dólares de títulos ligados aos mercados sub-prime dos EUA. No 4º trimestre, mais US$10 bilhões. Então levantou US$ 17,6 bilhões: participação de 9% do governo de Cingapura no capital do banco e mais recursos de investidor não divulgado do Oriente Médio. Chegam a US$ 100 bilhões de dólares as recentes injeções em bancos estadunidenses e europeus, por fundos nacionais e investidores de Abu-Dabi, Kuwait, Dubai, Arábia Saudita, China, Cingapura e Coréia.
Também ganham vulto as operações de resgate por parte dos bancos centrais para evitar que os bancos ponham à venda ativos podres, o que aceleraria a débâcle. O FED tem soltado centenas de bilhões de dólares. Em 18.12.2007 o Banco Central Europeu, o FED e o Banco da Inglaterra socorreram bancos do continente europeu e ingleses com US$ 548 bilhões. Isso atiça a inflação, mas não logra sanear os bancos.
Observadores calculam que mais de US$ 1 trilhão de ativos já ficaram sem valor nos últimos meses. A bolha pode alcançar US$ 20 trilhões, segundo o Serviço de Notícias da Executive Intelligence Review. 3
Tudo isso é escondido dos olhos do grande público. A oligarquia responsável pelo colapso pretende fazê-lo pagar por este. Até há pouco, os economistas dos bancos esbanjavam loas à expansão econômica. Agora, muitos persistem na enganação, e uns poucos dize que “a situação mudou”, em vez de reconhecer que erraram. Foi mais sincero o executivo-chefe da Fannie Mae, importante instituição hipotecária dos EUA: “o pior da crise ainda está por vir, pois o mercado não chegará ao fundo antes do final de 2008.”
Conclusão
Os efeitos irão além da recessão em curso nos EUA. Virá a depressão, e já está difícil ocultar a natureza fraudulenta do sistema mundial de poder. Por ficar atrelada a este, a sociedade brasileira foi sacrificada demais e tolhida em seu desenvolvimento. O Brasil progrediu nos anos 30 e 40, ao cair o comércio internacional por causa da depressão nos países hegemônicos. Está na hora de o País organizar-se, controlar os capitais e desconcentrar a estrutura econômica.
Nunca soou tão ridícula como agora esta nota, em destaque no portal do Tesouro dos EUA: “Os EUA têm o mercado de capitais mais forte do Mundo, e essa posição é conseguida através de trabalho duro e estratégias inteligentes.”
A especulação é antiga como o Mundo, mas não se deve pensar na finança só sob esse prisma: ela é necessária para prover moeda e finança a fim de desenvolver a economia real. Questão fundamental é esta: quem controla a emissão dos meios de pagamento à vista e a dos títulos de crédito, pois os detentores desse poder mandam na sociedade. A eles se subordinam os presidentes e os primeiros-ministros das potências hegemônicas e os de seus associados menores e satélites. Mais ainda, os pseudogovernantes dos países explorados pelo comércio e pelos investimentos diretos estrangeiros.
Os bancos centrais têm sido regidos pela oligarquia financeira, a raposa que controla galinheiros como o Banco da Inglaterra, há séculos, e o Federal Reserve (FED), desde sua criação em 1913, após a qual disse Louis McFadden, membro do Congresso dos EUA, depois assassinado: "Um super-Estado controlado pelos grandes banqueiros internacionais, agindo em conjunto para escravizar o mundo para o seu prazer. O banco central usurpou o governo."
O FED, feudo do cartel de bancos privados, é quem emite a moeda dos EUA, a principal do sistema mundial. Não, o Tesouro. Kennedy autorizou-o a emitir papel-moeda, mas o decreto foi revogado por Lyndon Johnson, poucos dias após o assassinato de Kennedy.
Está, pois, claro quem emite e controla a moeda e o crédito, e para favorecimento de quem. Os bancos, ademais das receitas com títulos públicos e privados, auferem juros dos empréstimos. O lançamento de títulos de empresas é outra fonte de ganhos. Esses títulos são objeto de opções e swaps etc. Deles saem derivativos e títulos colateralizados. Até índices de preços de ações e taxas de câmbio são securitizados. Além disso, há as taxas e comissões. Para investir, os bancos usam recursos do banco central a custo inferior aos juros que auferem; emprestam múltiplos dos depósitos à vista livres do depósito compulsório; aplicam investimentos de empresas e de outros.
Ávidos de lucros e poder, criam montanhas de ativos financeiros mais altas que o Everest. Para esse fim e tendo ascendência sobre os políticos, desmontaram os controles instituídos nos anos 30 em face dos terríveis males econômicos e sociais gerados pela bolha de 1929. Formaram outra a partir dos anos 80. Grana é o combustível da ideologia (neo)liberal e da globalização. Não há ninguém limitando suas decisões: essa é a origem do presente colapso financeiro mundial.1
Nos últimos vinte anos os ativos financeiros cresceram exponencialmente, em gritante desproporção com a inflação moderada dos ativos monetários. Os títulos de crédito, inclusive derivativos, ultrapassam 500 trilhões de dólares. Grande parte são junk bonds (títulos podres).2
A existência de tanto dinheiro seria impossível mesmo no plano simbólico do papel-moeda, dos certificados de títulos e dos lançamentos em livros. As transações financeiras e cambiais diárias, de trilhões de dólares, realizam-se através de supercomputadores. Inclusive para lavar dinheiro dos tráficos ilícitos: quanto mais operações, mais difícil retraçar a origem dos fundos.
Sem contar os derivativos, que atingiram somas inconcebíveis, acima de U$ 500 trilhões, os ativos financeiros chegaram a US$ 167 trilhões: 14 vezes a cifra de 1980. Em contraste com essa mega-inflação a economia real estagnou, por causa do baixo investimento na infra-estrutura e nas estruturas produtivas. Financiaram-se, antes, fusões e aquisições.
Daí ter declinado o emprego e os rendimentos da classe média, e surgido dificuldades para o pagamento de débitos em cima dos quais se criou a montanha dos derivados. O consumo foi estimulado pelo crédito, apesar de a maioria ter perdido renda real com a transferência em favor do segmento de 1% que, sozinho, detém 40% dela.
A inadimplência de devedores hipotecários detonou o colapso financeiro, mas este alcança empréstimos de empresas, cartões de crédito e muito mais. O sistema financeiro abusou da conversão de dívidas em títulos (securitização) e classificou débitos sub-prime como AAA.
A implosão tornou-se evidente desde o 1º semestre de 2007, quando grandes corretoras como Merrill Lynch e Lehman Brothers suspenderam a venda de colaterais, só conseguindo ofertas de 20 centavos por dólar de valor nominal. Em julho de 2007, bancos europeus registraram prejuízos com contratos baseados em hipotecas sub-prime. O IKB, da Alemanha, foi salvo com um empréstimo de emergência de US$ 11 bilhões, e houve corrida bancária ao britânico Northern Rock.
O colapso acarreta modificação estrutural no fluxo internacional de capitais. Até agosto de 2007, investidores fora dos EUA compravam mais do que vendiam títulos norte-americanos. Naquele mês o fluxo tornou-se negativo. Apesar de terem voltado as compras líquidas, a média de agosto a novembro (US$ 52,1 bilhões) foi menos que metade da média de janeiro a julho (US$ 113,1 bilhões). Os estrangeiros buscam livrar-se dos títulos de longo prazo.
A partir de outubro, parte substancial dos ingressos de divisas nos EUA provém do socorro por fundos soberanos da Ásia e do Oriente Médio, que adquirem títulos conversíveis em ações de bancos dos EUA. Em novembro, ações ordinárias do Citigroup foram compradas pelo fundo soberano de Abu Dhabi por US$ 7,5 bilhões.
O Citigroup, maior banco dos EUA, teve de vender, em 15.01.2008, ações preferenciais por US$ 14,5 bilhões ao Temasek, fundo nacional de Cingapura. Captou também da Autoridade de Investimentos do Kuwait. São US$ 26 bilhões desde o início do colapso. Merrill Lynch recebeu, em janeiro de 2008, U$ 6,6 bilhões da Companhia de Investimentos da Coréia, da Autoridade de Investimentos do Kuwait e de outros, além de US$ 6,2 bilhões em dezembro.
O suíço UBS deu baixa, no 3º trimestre de 2007, em 3,4 bilhões de dólares de títulos ligados aos mercados sub-prime dos EUA. No 4º trimestre, mais US$10 bilhões. Então levantou US$ 17,6 bilhões: participação de 9% do governo de Cingapura no capital do banco e mais recursos de investidor não divulgado do Oriente Médio. Chegam a US$ 100 bilhões de dólares as recentes injeções em bancos estadunidenses e europeus, por fundos nacionais e investidores de Abu-Dabi, Kuwait, Dubai, Arábia Saudita, China, Cingapura e Coréia.
Também ganham vulto as operações de resgate por parte dos bancos centrais para evitar que os bancos ponham à venda ativos podres, o que aceleraria a débâcle. O FED tem soltado centenas de bilhões de dólares. Em 18.12.2007 o Banco Central Europeu, o FED e o Banco da Inglaterra socorreram bancos do continente europeu e ingleses com US$ 548 bilhões. Isso atiça a inflação, mas não logra sanear os bancos.
Observadores calculam que mais de US$ 1 trilhão de ativos já ficaram sem valor nos últimos meses. A bolha pode alcançar US$ 20 trilhões, segundo o Serviço de Notícias da Executive Intelligence Review. 3
Tudo isso é escondido dos olhos do grande público. A oligarquia responsável pelo colapso pretende fazê-lo pagar por este. Até há pouco, os economistas dos bancos esbanjavam loas à expansão econômica. Agora, muitos persistem na enganação, e uns poucos dize que “a situação mudou”, em vez de reconhecer que erraram. Foi mais sincero o executivo-chefe da Fannie Mae, importante instituição hipotecária dos EUA: “o pior da crise ainda está por vir, pois o mercado não chegará ao fundo antes do final de 2008.”
Conclusão
Os efeitos irão além da recessão em curso nos EUA. Virá a depressão, e já está difícil ocultar a natureza fraudulenta do sistema mundial de poder. Por ficar atrelada a este, a sociedade brasileira foi sacrificada demais e tolhida em seu desenvolvimento. O Brasil progrediu nos anos 30 e 40, ao cair o comércio internacional por causa da depressão nos países hegemônicos. Está na hora de o País organizar-se, controlar os capitais e desconcentrar a estrutura econômica.
* Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”, editora Escrituras. benayon@terra.com.br
Publicado no Brasil de Fato, 25.01.2008; no Monitor Mercantil, 29.01.2008;
em A Nova Democracia nº 39, fevereiro de 2008; no Alerta Total, 27.01.2008.
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