segunda-feira, 2 de junho de 2008

Giséle Santoro

“Não temos só café e futebol – temos excelentes bailarinos também”
Por Maiesse Gramacho

“Essa é a minha irmã Gisèle, cuidado que ela bate!”.
Era assim que um dos três irmãos de Gisèle Santoro a apresentava aos amigos, na infância. E foi para “criar modos de menina” que a mocinha, aos 16 anos, começou a estudar balé. O plano de sua mãe deu certo: Gisèle se tornou uma das mais importantes bailarinas brasileiras. Diplomou-se pela Escola de Danças Clássicas do Teatro Municipal do Rio de Janeiro com menos de quatro anos de estudo, sendo contratada para compor o corpo de baile do Teatro, em seguida. Dançou e lecionou no país e no exterior, e, por seu trabalho, ganhou reconhecimento como Maître de Ballet. Viúva do maestro Cláudio Santoro, a quem conheceu no início da década de 60, Gisèle - hoje aos 69 anos - continua ativa, dando aulas diariamente e organizando, anualmente, o mais importante evento de dança do país, o Seminário Internacional de Dança de Brasília, que em 2008 chega a sua décima oitava edição. Foi após uma de suas aulas, no Centro de Danças do DF, que ela concedeu esta entrevista à "Verbo21".

Maiesse Gramacho – Você começou a dançar já adolescente, aos 16 anos, e isso, no balé, não é muito comum... Conte-nos como a dança entrou na sua vida.
Gisèle Santoro – Eu estudava em colégio interno e, portanto, não estudava balé. Mas adorava dançar e sempre improvisei, desde criança, em casa. Inclusive, quando eu ia para casa, nas férias, eu montava espetáculos com as minhas primas que, estas sim, estudavam dança. Eu organizava tudo, embora nunca tivesse visto um espetáculo de balé. Na verdade, eu estudava piano. E sempre que aparecia visita em casa meu pai me mandava tocar, mas eu dizia que queria era dançar – e dançava para as pessoas. Quando saí do colégio e voltei para casa, passei a conviver com meus três irmãos homens. Então eu era meio 'moleque', de subia em árvore, brincava de bola, brigava na rua... Um dos meus irmãos me apresentava: 'Essa é a minha irmã Gisèle, cuidado que ela bate!'. Eu era brigona! Aí minha mãe, desesperada, resolveu me colocar no balé para ver se eu criava modos de menina. Na academia em que me matriculei estavam ensaiando bailarinos do Teatro Municipal [do Rio de Janeiro] e apesar de já saber dançar um pouco, eu percebi que tinha que ir mesmo para a turma de principiantes. O início foi um pouco difícil para mim, porque eu tive tétano quando criança e não fazia ginástica no colégio... O início foi muito doloroso, porque o corpo todo era destreinado. Mas, mesmo assim, com dois anos e meio de aulas, eu entrei na escola de dança do Teatro Municipal. E me formei um ano depois. Ou seja, com menos de quatro anos de balé eu já estava trabalhando no Teatro Municipal do Rio.
MG – Você foi aluna de bailarinos importantes. Qual deles exerceu a influência mais decisiva sobre você e a sua arte?
GS – Eugênia Feodorova, que foi a mestre que eu conheci nessa época que entrei no Teatro Municipal. Quando eu saí de lá, ela também saiu e fundou uma companhia que se chamava Fundação Brasileira de Balé, cuja meta era justamente trabalhar com a gente tudo aquilo que não havia sido trabalhado na escola do Municipal. Eu considero essa experiência como um 'doutorado', porque as coisas que aprendi com ela não havia no Brasil quem ensinasse e foi com tal profundidade... Trabalhamos com ela tudo, desde dança clássica, pas-de-deux, repertório, interpretação pelo método de Stanilawski, metodologia... Quer dizer, uma série de coisas que não se tinha com quem estudar no país. Além disso, eu e Feodorova tivemos uma afinidade intelectual muito grande.
MG – Você dançou bastante tempo fora do país. Você acha que ter uma experiência internacional é importante para o bailarino?
GS – Eu não dancei, propriamente. Eu cheguei a trabalhar em Genebra, mas foi por muito pouco tempo, porque eu já estava casada com o Cláudio [Santoro, maestro] e estávamos em viagem de lua-de-mel. No entanto, trabalhei muitos anos como professora e como 'mâitre' de balé em vários países. Quanto a ter uma experiência internacional, claro, eu acho essencial. É muito importante ter contato com outros profissionais, conhecer outras culturas...
MG – Passar a lecionar foi algo que aconteceu naturalmente na sua carreira?
GS – Foi natural porque desde o princípio me interessei por tudo que era relativo à teoria da dança. Eu comecei muito cedo a ensinar, o que eu acho que foi uma grande vantagem porque eu pude, além de dançar, ajudar as outras pessoas a resolver suas dificuldades. Eu acho que a dança tem uma 'coisa' maternal – eu me sinto meio mãe das minhas alunas. Eu fico feliz de vê-las se desenvolvendo; da minha parte não há espírito de concorrência.
MG – O que um bailarino precisa ter para ter sucesso na carreira?
GS – Olha, se você falar do balé, é um tipo de dança que tem determinadas exigências estéticas e físicas. Mas eu nunca digo para um aluno 'não dance' ou 'você não tem talento' ou 'você não pode'. Eu acho que a dança é um universo e, dentro dele, você tem que achar o seu caminho. Ou seja, dentro das linguagens de dança que existem, você tem que procurar aquela que te toca mais.
MG – Mas, algum dia, você teve que falar para um aluno que ele não tinha talento para o balé?
GS – Nunca falei. A minha professora Eugênia Feodorova dizia na cara. Se você não tivesse o físico que ela considerava o ideal para a dança, ela dizia: 'Vá estudar na universidade'. Eu acho errado isso. Eu mesma fui uma pessoa que teve todas as dificuldades possíveis e cheguei aonde cheguei. A minha filha é outro exemplo. Ela nunca seria aceita numa escola profissional de dança, porque não tinha o tipo físico ideal – não era muito flexível, não tinha muita abertura, não tinha pernas longas, ou seja, nada que costuma se esperar de uma boa bailarina – e chegou a ser primeira bailarina na Alemanha, emocionando as pessoas quando dançava. Houve quem chorasse ao vê-la dançar.
MG – Ter conhecimentos de balé clássico é essencial para qualquer bailarino?
GS – Eu aconselho todo mundo a passar pelo clássico porque eu acho que é um excelente exercício preparatório. A disciplina do clássico também é muito útil.
MG – Desde 1991, você promove, anualmente, o Seminário Internacional de Dança, em Brasília. Que avaliação faz de todas as edições já realizadas?
GS – A avaliação que posso fazer vem através do exemplo de uma bailarina, a Mônica Proença, que fez todos os seminários até hoje. Ela começou como aluna, muito jovem, acabou ganhando um estágio nos Estados Unidos, trabalhou numa companhia americana, voltou para o Brasil, seguiu, depois, para o Canadá para trabalhar e, agora, ela vem para participar do seminário como professora, oferecendo bolsas de estudo para que outros bailarinos possam ir para o Canadá. Ou seja, ela participou, aprendeu o que podia aprender, teve a chance de ir para o exterior e, agora, volta para transmitir tudo o que aprendeu para as novas gerações de bailarinos. Ela é o símbolo do seminário, para mim.
MG – Qual o objetivo do seminário?
GS – A idéia é aperfeiçoar o bailarino brasileiro. Por isso, ele é tão longo. Em três semanas é possível solidificar alguma coisa que foi aprendida. E, também, abrir as portas para uma carreira internacional. O seminário é um local onde é possível mostrar os talentos que a gente. Não temos só café e futebol – temos excelentes bailarinos também.
MG – No Brasil, faltam boas escolas de balé?
GS – Faltam escolas realmente profissionais. Você pega uma escola francesa, uma escola russa, elas têm uma metodologia que é seguida por todos os professores, e o que eles passam aos alunos é tudo regrado, organizado direitinho... No Brasil, cada um estuda num canto... E depois cada um transmite a sua experiência, mas experiência é uma coisa, metodologia é outra. A experiência é adquirida ao se dançar e depende das suas habilidades físicas, dos professores que você teve. A metodologia, não. Ela ensina um 'caminho' que tem que ser trilhado, da mesma maneira que se ensina que 'dois mais dois são quatro'. Eu sempre achei que as escolas, mesmo a do Municipal, que eu cursei, não tinham nem a décima parte das matérias que eu considero essenciais à formação de um bailarino profissional. E isso se verifica no país inteiro. Nós temos muito poucas escolas ditas profissionais e elas não são as melhores do mundo. São boas, existem bons professores, mas existe essa defasagem de matérias, de metodologia... No Brasil, apenas cinco estados têm escolas e corpos de baile profissionais estatais. Os outros teatros, começando pelo nosso aqui em Brasília [Teatro Nacional Cláudio Santoro], são teatros de aluguel. Isto é, os artistas passam por eles, mas nada ‘cresce’ na cidade. Eu acho isso errado.
MG – Eu sei que um dos seus sonhos é formar um corpo de baile no Teatro Nacional, aqui em Brasília...
GS – Há quarenta e tantos anos eu brigo para isso.
MG – E qual é a dificuldade?
GS – Falta de interesse político e boicote da própria classe.
MG – Como é a sua relação com Brasília?
GS – É uma relação apaixonada... Eu dancei na inauguração da cidade, em cima do Congresso. Mas eu vim mesmo para cá em 1962. Conheci o Cláudio e acabei ficando... Depois do golpe militar, eu acabei indo com ele para o exílio. Trabalhamos na Europa e só voltamos em 78.
MG – Gisèle, hoje, para você, o melhor lugar para estar é dentro de uma sala de aula?
GS – Com certeza...
MG – Você não pensa em parar de ensinar balé? GS – De jeito nenhum. Isso é o que me mantém viva, sem o Cláudio.
MG – Depois de tantos anos de carreira, tem algum ressentimento?
GS – Eu nunca me ressenti de não ter sido a melhor bailarina do mundo. Tem gente que acha que pode ser, e depois não consegue e passa a viver naquele amargor... E essa amargura você acaba transmitindo para seus filhos, para seus alunos.
MG – Se você pudesse resumir a sua vida em uma palavra, qual seria?
GS – Amor.

2 comentários:

  1. vc publicou mesmo! rs... legal!
    depois entra no meu blog. tem o link pra um poeminha meu que foi publicado no "blogão do zé", do correio braziliense.

    ResponderExcluir
  2. Sra. Maiesse, o poeta Affonso colocou no blog uma piada enviada pela senhora junto com um quadro maravilhoso. A senhora sabe de quem é?Grata. Diana
    Meu email: diana.darwish@globo.com

    ResponderExcluir