sexta-feira, 6 de junho de 2008


Cessão de territórios
Adriano Benayon*

Em artigos freqüentes, o Sr. Jarbas Passarinho insiste em defender a destinação de quase 100 mil km. quadrados do território nacional para a reserva ianomâmi, por meio da portaria nº 580, de 15.11.1991. Na Internet ele qualificou os críticos de “despeitados que se supõem patriotas e não passam de néscios” e reclamou do tempo gasto em dar lições a “ignorantes de Direito”. Disse ter cumprido “decisão judicial irrecorrível”: “Só recorre quem é parte. O ministro da Justiça não era parte. Caberia recorrer ao Sarney, pois foi o ato dele que foi revogado [sic]. Não recorreu, e a mim só caberia cumprir a sentença.” Crasso desconhecimento jurídico! É incrível confundir atos de governo com atos da alçada particular de pessoas que exercem mandatos. Esse é o resultado de pretender lecionar Direito sem nunca ter sido aluno. Na ação cuja sentença, de 24.09.1990, invalidava ato de 1989 do presidente Sarney, a Parte não era Sarney, pessoa física, mas sim, a União Federal. Estava Collor no governo, ao qual cabia defender os interesses da União. O recurso era obrigatório. Se não foi impetrado, isso decorreu da intenção de atender a pressões de potências hegemônicas. Passarinho assumiu o ministério em 13.10.1990. Se fosse contra a demarcação em linha contínua recomendaria à AGU recurso contra a sentença. Se o prazo tivesse expirado, poderia: 1) não aceitar o ministério; 2) solicitar que a União Federal promovesse ação rescisória, dado o prejuízo irreparável; 3) baixar portaria semelhante à emitida pelo governo Sarney, o que obrigaria os interessados na reserva gigante a iniciar nova ação.
Em artigo de março de 2001, no Estado de São Paulo, “O ministro e a terra yanomami”, afirmou o ex-ministro: “...procuradores da República [...] entraram com medida cautelar, em outubro de 1989, perante o juiz da 7ª Vara Federal. Pediam a interdição dos 9 milhões de hectares, estabelecidos no governo João Figueiredo, e reduzidos a 2,5 milhões pelo seu insigne e honrado sucessor. [...] O magistrado concedeu liminar determinando a interdição da área e a imediata retirada dos garimpeiros. A FUNAI pediu o cumprimento da decisão judicial.[...]. Interditei a área. Um mês depois, os mesmos procuradores entraram com ação para que a área fosse declarada - como o foi pelo mesmo juiz - posse ianomâmi.”
“Verificando a inexistência de regras legais para demarcar terras indígenas, obtive do presidente Collor a edição do Decreto nº 22, de 4 de fevereiro de 1991. A FUNAI constituiu grupo técnico encarregado de dar parecer. Fê-lo em 22 de julho de 1991, opinando pela demarcação da área de 9 milhões de hectares em linha contínua.”
A FUNAI está, de há muito, infiltrada, a ponto de seus funcionários, já nos anos 70, viajarem grátis em aviões do Sumner Institute of Linguistics, entidade que traduzia a Bíblia para inúmeras línguas indígenas. O chefe da FUNAI, escolhido por Passarinho, era Sidney Possuelo, extremista na cessão de terras a tribos indígenas. Foi exonerado, de cargo de Coordenador, após ter criticado o presidente da FUNAI, Mércio Gomes. Este declarara, em 12.01.2006: “É terra demais. Até agora, não há limites para suas reivindicações fundiárias, mas estamos chegando a um ponto em que o Supremo Tribunal Federal terá de definir um limite”.
Possuelo disse ao Estadão, em 14.01.2006: “Já ouvi esse discurso de fazendeiro, grileiro, garimpeiro, madereiro. Mas de presidente da FUNAI é a primeira vez. É de assustar. Se a nossa autoridade maior diz que tem muita terra para o índio, ela está afirmando que a sociedade nacional e os destruidores têm razão”. Com efeito, Possuelo parece preferir a sociedade ‘internacional’ à nacional. Entre os títulos desse sertanista elogiado pela mídia, está a Medalha de Benfeitor, da Royal Geographical Society, em 2004, aprovada pela Rainha da Inglaterra.
Coube, em 1991, a Possuelo interpretar o art. 231 da Constituição. Nesse dispositivo está escrito "terras que tradicionalmente ocupam", ou seja, ocupavam na data da promulgação da Constituição e tradicionalmente. Requisito não preenchido pelos “ianomâmis”, já que os índios postos na área: 1) vieram de outros lugares; 2) são nômades e, portanto, insuscetíveis de ocupar terras tradicionalmente. Ademais, a suposta etnia “ianomâmi” não é mencionada em levantamentos até o final dos anos 70.

Aduz Passarinho: “Os ministros militares decidiram atribuir ao ministro-chefe do Gabinete Militar o parecer solicitado. O Itamaraty [...] foi favorável.” Inacreditável. O então ministro de Justiça louvou-se em parecer, sobre assunto de segurança nacional, do Ministro das Relações Exteriores, o jurista Francisco Rezek. Passarinho, oficial com curso de Estado-Maior, parece estranhamente depender de advogados nessa matéria, pois atribui também ao consultor jurídico e ao secretário-executivo do MJ o aviso de não haver ameaça à soberania e à segurança nacionais. Os governadores de Roraima e do Amazonas deram parecer contrário, não levado em conta.
“A [Secretaria] de Assuntos Estratégicos ponderou quanto ao perigo de afetar a soberania nacional.” Nem essa advertência fez o ex-ministro de ter um parecer da área militar, que acabou não opinando. Segundo ele, o Gabinete Militar, ‘em nome do EMFA e dos Ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica’, sugeriu a remessa do processo ao Conselho de Defesa. Mas o governo Collor jamais o reuniu para tratar da grave questão. Pior: ela não foi devolvida aos ministérios militares.


“Estando a terra ianomâmi na faixa de fronteira, garantida ficava duplamente a propriedade da União.” Isso é verdade apenas de direito, e há risco iminente de que deixe de sê-lo. Para tanto, basta que as potências mandem os índios proclamar-se cidadãos de países independentes, pois já os controlam por meio de ONGs, entidades religiosas, por verbas, cursos no exterior etc.
“Cabia-lhe [à União] exercer soberania sobre os índios e garantir a integridade territorial com as Forças Armadas. Ouvir previamente o Conselho de Defesa, como propôs o Gabinete Militar, revelava-se indevido, diante da sua atribuição definida no artigo 91, @ 1º e inciso III, da Constituição federal: ‘Propor os critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso.’ Não se tratava de uso ou utilização da terra, mas de sua demarcação.”
Especiosidade semântica, para não ouvir o foro adequado. Está claro que a demarcação altera o marco legal da área segregada. Se “não-índios”, inclusive autoridades, não entram nas terras, quem controlaria os usos mineralógicos e outros, por parte de ONGs e entidades estrangeiras?
Confirma as pretensões estrangeiras Resolução da Organização Internacional do Trabalho, de 2004, aprovada no Senado, bem como a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da Assembléia-Geral da ONU (2007). Estatuem que os indígenas têm direito a dispor de suas terras, e a perda de territórios brasileiros estará consumada, pelo menos enquanto perdure a atual ordem jurídica, se o Congresso aprovar a Declaração, o que a incorporaria à Constituição, conforme a Emenda nº 45/2004.
“Impunha-se analisar o direito à posse segundo o artigo 231 da Constituição: ‘Terras tradicional e permanentemente ocupadas.’ Geneticistas, lingüistas e antropólogos atestam a existência milenar [sic] e permanente dos ianomâmis na área, embora as primeiras referências historiográficas datem do século 18.”
Não há tais referências em relatórios e trabalhos sérios. Só no final dos anos 70 do Século XX, importaram indígenas díspares para a área e passaram a chamá-los de ianomâmis. Os antropólogos consultados teriam de estar ideologicamente comprometidos com o lema “toda terra aos índios” (óbvios instrumentos de outrem).
O assunto foi esgotado no livro “A Farsa Ianomâmi” do Cel. Menna Barreto, que serviu longos anos como militar na Região e foi Secretário de Segurança de Roraima. O Almte. Gama e Silva assinalou os relatórios da Comissão Demarcadora de Fronteiras, arquivados no Itamaraty, produto de decênios de trabalho na região, onde não há qualquer registro de “ianomâmis”. Tampouco o há no Mapa Etno-Histórico de Curt Unkel (Nimuendajú) (IBGE/Fundação Pró-Memória), edição de 1981, exaustivo estudo científico das tribos, etnias, migrações e populações indígenas no Brasil. Nem com "I", nem com "Y”. Esse etnólogo alemão pesquisou no campo por 40 anos (1905 a 1945), comprovando a existência de mais de 1.400 tribos no Brasil, com ênfase na Amazônia e países fronteiriços a Oeste e a Norte.
“Restava traçar a área compatível com ‘a atividade produtiva, a reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições’. Antropólogos conceituados, autores de livros e que estudaram anos a fio os ianomâmis in loco, defenderam a demarcação contínua. Isolar as aldeias seria tornar inviável a sua interação. A separação, por ‘ilhas’, impediria as ‘relações intertribais’”.
1) Como é possível populações nômades se assentarem em aldeias? 2) Que interação, se as tribos trazidas para a região por ONGs, CIR etc., com auxílio da FUNAI, são mantidas isoladas, pois do contrário, se trucidam? Essas incongruências são apontadas por gente responsável, com serviços prestados na região, como o Cel. Gélio Fregapani.
“Depois de 13 meses de estudos, aprovei a tese da linha contínua. Ressalvei em despacho a imperativa necessidade de ser ouvido o Conselho de Defesa, quando da utilização posterior da terra. [AB. O Conselho não foi ouvido quando era imperativo que o fosse.] E na Portaria 580 está assegurada a ação e atuação das autoridades federais na área, um bem da União.” [AB. Tema já comentado].
“Ameaça à Amazônia, se vier a existir, não é de uma nação ianomâmi, mas do pretexto de devastação da floresta.” A ameaça de criação de um estado “ianomâmi” parece cada vez mais próxima de se transformar em ato, aumentada por haver outra reserva com esse nome na Venezuela. As potências hegemônicas intensificam suas ações na área e as manobras militares na Guiana, virtual protetorado britânico, no Suriname e na Guiana Francesa.
Entre muitos depoimentos, vale destacar a entrevista do sertanista Orlando Villas Boas, reapresentada em 15 de junho de 2003, no programa ‘Expedições’ da TV Cultura: “Os americanos levaram para os EUA 15 chefes ianomâmis, brasileiros e venezuelanos, para lá aprenderem o inglês e serem treinados ‘politicamente’, para que, ao retornarem, criem um contencioso internacional com o objetivo de fazer com que a ‘comunidade internacional’ declare a criação de um Estado ‘Índio’, tutelado pelos EUA, cujo território seria delimitado pelas áreas das atuais reservas ianomâmis no Brasil e na Venezuela. Vocês pensam que eles fazem isso por amor aos ianomâmis? Não. Fazem isso porque em Roraima estão as maiores reservas de urânio do mundo."
“O presidente Collor [...] em nenhum momento fez sequer sugestão a respeito da demarcação. Homologou a Portaria 580, em 15/11/1991, em reunião setorial do Ministério, presentes todos os ministros militares, sem discrepância expressada. Ainda assim, há quem o acuse de ter cumprido ordens do então presidente americano George Bush...”
Quem duvida do viés do exterior? Não houve as pressões e as declarações de mandatários de potências hegemônicas e de figuras de projeção por elas criadas? Não houve a carta a Collor de seis senadores dos EUA, inclusive Rockefeller e Kennedy? Collor e Passarinho falaram do temor de que o Brasil continuasse a ser denegrido no exterior por negar “direitos” dos indígenas. Por que colocam acima do interesse do Brasil a “imagem”, algo que nada custa ao Império produzir para obter o que deseja? Não acredito em teoria da conspiração: só na conspiração mesma. Quem não identifica seus inimigos está condenado a ser escravizado por eles.


*Adriano Benayon é Doutor em Economia, autor de “Globalização versus Desenvolvimento”
Editora Escrituras. benayon@terra.com.br.

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