segunda-feira, 9 de junho de 2008

História

No Brasil, a crise de 1961 ainda não acabou
Por Pedro do Coutto

A "Folha de S. Paulo", no caderno de cultura, 4/05, e "O Globo", na edição de 9 de maio, focalizaram a extrema importância que o ano de 1968 teve no mundo, marco emblemático de uma série de crises que refletiram especialmente as insatisfações da juventude e também os protestos contra o arbítrio, a violência, a revolta de Paris contra De Gaulle, a condenação universal à guerra do Vietnã.
O Brasil não ficou distante do fenômeno. Pelo contrário. Foi atingido em cheio pela ditadura militar, que alcançou seu ápice em dezembro com o Ato Institucional nº 5, véspera de torturas hediondas e mortes inexplicáveis nos porões da repressão. Só no II Exército, as mortes do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho, que inclusive levara à demissão do general Ednardo da Silva Melo do importante comando.
Entretanto, em nosso País o processo crítico não começou com a escalada americana no sudeste asiático, tampouco com as barricadas contra o conservadorismo de De Gaulle. Teve início antes. Foi com a absurda renúncia do presidente Jânio Quadros a 25 de agosto de 1961. Desencadeou uma crise que se projetou no tempo e, 47 anos depois, seu ciclo, hoje, ainda não foi superado.
O presidente eleito em outubro de 60 jogou fora os 15 milhões de votos que recebeu nas urnas, por coincidência 47 por cento do eleitorado votante. Lançou-se ele próprio no abismo, e o Brasil num impasse que se agravou e que permanece, não mais em conseqüência da falta de liberdade democrática, mas à procura de soluções econômico-sociais ainda não encontradas. Na realidade, até pouco tentadas. O que acontece em 61?
Em seu excelente livro, o jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho colocou nitidamente. O presidente tentou um golpe e queria fechar o Congresso. Sua manobra foi denunciada pelo governador Carlos Lacerda, na antevéspera, pela TV Tupi, denúncia publicada em todos os jornais de 24 de agosto com enorme destaque. O que levou Jânio ao ato insano? Certamente foi um segredo que seguiu com ele para o túmulo. Mas as raízes do impasse?
Creio que estavam situadas no confronto que ocorria desde 1930 entre Vargas e anti-Vargas. Em 30, Getúlio Vargas tornou-se chefe de uma revolução vitoriosa. Derrotado nas urnas por fraude, o movimento liderado por Osvaldo Aranha depôs o presidente Washington Luís, de quem Vargas fora ministro da Fazenda, antes de se eleger, em 27, governador do Rio Grande do Sul. Getúlio assim venceu em 30. Não realizando as eleições que prometera, aconteceu a tentativa de revolução paulista contra seu governo. Em 32 ele venceu pela segunda vez.
Obrigado, contudo, a convocar em 33 o pleito para a Constituinte de 34, tornou-se ele próprio candidato. E, indiretamente, foi eleito para um mandato constitucional que terminaria em 38. Mas em novembro de 37, valendo-se da intentona comunista fracassada de 35, Vargas ganhou mais uma: transformou-se em ditador e decretou o Estado Novo. Ficou até 29 de outubro de 45, quando foi deposto pelas Forças Armadas. Estava há quinze anos no poder. Tentou ser candidato novamente à presidência, a 2 de dezembro, mas a articulação não deu certo. Elegeu-se senador pelo Rio Grande do Sul e São Paulo, e deputado federal pelo então Distrito Federal e mais quatro estados. A legislação permitia.
Derrubado do governo, apoiou Eurico Dutra. Derrotou mais uma vez os antivarguistas. Cinco anos depois, em 50, voltou ele próprio ao Palácio do Catete, com 49,4 por cento dos votos. Suicidou-se para não ser mais uma vez deposto em 54, mas um ano depois, em 55, o varguismo vencia com Juscelino e João Goulart.
Finalmente, trinta anos depois da revolução que tornou Vargas vitorioso, o antivarguismo, com Jânio Quadros, ganha nas urnas populares. O que faz o vencedor? Renuncia e entrega o poder ao varguista João Goulart. As correntes antivargas desistiram do projeto eleitoral. Estava aberto o caminho para a insurreição e o golpe militar de 64. Acossado por Leonel Brizola, que garantira sua posse em 61, mas que desejava mudar a Constituição para poder sucedê-lo no Planalto, Jango iniciou sua fase de declínio. Estava sob fogo cruzado.
De um lado, o cunhado, de outro, Lacerda, no comando da oposição e no Palácio Guanabara. Não tinha estrutura psicológica para resistir. Aliás, creio que ninguém tivesse se alvejado diariamente por duas das três principais figuras políticas do País. A terceira era JK, candidato à sucessão de 65, sucessão que não houve.
Leonel Brizola não percebeu a contradição que fomentava tampouco a explosão que se aproximava. Em conseqüência, vinte e um anos de ditadura com o ciclo dos militares no poder, encerrado com a posse de José Sarney na presidência da República em 85. Mas os efeitos da longa noite de arbítrio permanecem. Não se dissolveram, principalmente no campo do trabalho.
Quando Goulart foi para o exílio, o PIB brasileiro (estudo do economista Gilberto Paim) estava em torno de 80 bilhões de dólares. Era formado em dois terços pela massa salarial, como é até hoje nos EUA, um terço pela remuneração do capital. Porém em março de 85, findo o governo Figueiredo, o PIB atingia 375 bilhões de dólares. Mas a pirâmide se inverteu. A massa de salários havia recuado para um terço. A remuneração do capital avançara para dois terços. Este o maior reflexo concreto da mudança política. Atualmente, para um PIB de cerca de 1 trilhão de dólares, permanece a divisão identificada em 85.
Concentração de renda. Que pode garantir o desenvolvimento econômico, mas impede o progresso social. Este é o impasse brasileiro. A crise aberta em 1961 permanece. Resiste ao tempo e aos presidentes. Aquele ano ainda não acabou.

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