segunda-feira, 5 de maio de 2008

Quando começa e quando termina a vida?

Ciência do desenvolvimento cerebral pode orientar decisões éticas sobre células-tronco embrionárias?
Por Roberto Lent*

Há poucos dias, procurou o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) o ministro Carlos Alberto Menezes Direito, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele queria conversar com pesquisadores sobre o polêmico assunto da pesquisa com células-tronco embrionárias. A foto mostra um blastocisto humano de cinco dias. O aglomerado de células à esquerda é a fonte das células-tronco embrionárias, capazes de gerar neurônios, células cardíacas, cutâneas e de outros tecidos (foto: Centro Avançado de Fertilidade de Chicago, EUA). Como todos sabem, esse tema foi regulamentado pela Lei de Biossegurança recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, mas sofre questionamento de inconstitucionalidade por parte do Procurador-Geral da República, e está em julgamento no STF. A questão sob análise do STF é se a retirada das células-tronco de um blastocisto humano (embrião de poucos dias) representaria um atentado à vida. Queria saber o ministro: quando começa e quando acaba a vida humana? A pergunta é simples e direta, mas a resposta, não. Os biólogos sabem que a vida é um contínuo permanente, que se transfere de uma célula a outra e de um indivíduo a outro. Nunca começa e nunca acaba. Uma célula que se divide transfere a sua vida para as duas células-filhas. Do mesmo modo, a vida humana se perpetua através dos tempos, pois os indivíduos se reproduzem e a transferem a seus descendentes. Seria mais produtivo, talvez, mudar o foco da pergunta: quando começa e quando acaba a vida de um indivíduo humano? Nesse caso, é preciso primeiro definir o que é um indivíduo humano, o que o diferencia de outros seres da natureza. Parece natural considerarmos que um ser humano se caracteriza por sua construção e por suas capacidades particulares. Não só a forma de nossos corpos ou o modo de funcionamento de nossos órgãos, mas, acima de tudo, o especial desempenho de nosso cérebro. O cérebro, então, capaz de possibilitar a emergência da mente, seria o diferencial que nos faz humanos. A morte do cérebro é o fim do indivíduo? Decorre desse conceito o modo como determinamos o momento da morte, também ela uma lenta transição. A morte é o fim do indivíduo. O problema é que ela não ocorre de uma vez só – morremos aos poucos, algumas células antes, outras depois; alguns órgãos antes que outros. De qualquer modo, é a morte do cérebro – a interrupção irreversível de sua função – que aceitamos como o marco definidor dessa transição. E, como também o cérebro morre aos poucos, consideramos a morte do córtex cerebral como o momento em que falece o indivíduo, porque com ele se vão também a razão, a emoção, a memória e a consciência. Nosso córtex encerra nossa humanidade. A morte do córtex pode ser detectada por instrumentos que registram a sua atividade elétrica, o fluxo sangüíneo das suas artérias e a atividade metabólica dos seus neurônios. Detectada tecnicamente a morte cerebral, não se pode garantir que não haja retorno do indivíduo a uma vida consciente, embora exista uma probabilidade muito baixa de que isso ocorra. Sendo tão remota a probabilidade de retorno, parece ética e juridicamente aceitável utilizar os órgãos (ainda vivos) do indivíduo morto para transplantes que salvam vidas de outros seres humanos. O nascimento do cérebro é o início do indivíduo? Se a morte do cérebro é o fim do indivíduo, seria aceitável considerarmos a formação do sistema nervoso como o início da existência de um ser humano? Tudo indica que sim, mas há considerações a fazer. Nesse caso, a neurociência não pode ainda determinar em que momento emergem as capacidades mentais que caracterizam os seres humanos.

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*Roberto Lent Professor de Neurociência Instituto de Ciências Biomédicas Universidade Federal do Rio de Janeiro
25/04/2008
A coluna
A matéria está na coluna “Cem Bilhões de Neurônios”, publicada na última sexta-feira do mês pelo neurocientista Roberto Lent, professor da UFRJ. Visite o arquivo para ler as colunas anteriores e leia a apresentação do colunista. Envie críticas, comentários e sugestões para rlent@anato.ufrj.br

SUGESTÕES PARA LEITURA
Gazzaniga, M.S. (2005) The Ethical Brain. Nova York: Dana Press, 201 pp. Rehen, S. K. e Paulsen, B. S. (2007)
Células-Tronco: O que são? Para que servem? Rio de Janeiro: Vieira & Lent Casa Editorial, 96 pp. Uziel, D. (2008)
O desenvolvimento do sistema nervoso. Cap. 3 do livro Neurociência da Mente e do Comportamento. (R. Lent, coord.). Rio de Janeiro: Editora Guanabara-Koogan, pp. 19-42.

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