Remessa de lucros: problema de Jango a Lula
O Banco Central divulgou oficialmente esta semana e todos os jornais, que publicaram com grande destaque, aliás, indispensável, o desempenho das contas externas brasileiras no primeiro semestre do ano, que registraram um déficit de 17,4 bilhões de dólares. O maior do período desde que o BC começou a funcionar em 65, assinala a "Folha de S. Paulo", em matéria assinada por Ney Hayashi da Cruz. Causa principal, as remessas de lucros para o exterior, no patamar de 18,9 bilhões (de dólares).
A economia brasileira não foi mal: as exportações alcançaram 90,6 bilhões, as importações 79,2 bilhões de dólares. Os fretes, os seguros de mercadorias importadas, a conta turismo, na qual temos um déficit de 5 bilhões por ano, não foram suficientes para levar ao insucesso financeiro. Mas aí entraram as remessas de lucros. E isso me lembra a história da legislação sobre essa forma de saída de capital.
Em 1961, o deputado Sérgio Magalhães, que havia perdido o governo da Guanabara para Carlos Lacerda em 60, apresentou projeto de lei à Câmara restringindo estas remessas à parcela de dez por cento do lucro líquido obtido e prevendo a reaplicação do restante no País. O anteprojeto que Sérgio Magalhães assinou e terminou sendo aprovado, na realidade era de autoria do economista Gilberto Paim, amigo meu até hoje.
Votado na Câmara, foi para o Senado, onde foi acolhido, tão fortes eram suas razões e sua lógica. A exposição de motivos era sustentada com exemplos das leis em vigor nos próprios países desenvolvidos, a começar pelos Estados Unidos. A redação final foi para as mãos do presidente João Goulart.
Lembrando-se da crise que culminou com a morte de Vargas, além disso vacilante por natureza, detestando situações difíceis, não entrando em bola dividida, Goulart optou por uma tentativa de escapismo: em 62, não sancionou nem vetou a lei. Esta, então, teve que ser promulgada pelo presidente do Congresso Nacional, o então senador Auro Moura Andrade. Mas a lei - aí entra o que Sérgio Magalhães me contou pessoalmente - não era auto-aplicável. Exigia regulamentação.
A Frente Parlamentar Nacionalista, da qual Sergio era membro, e cujo presidente era o deputado mineiro Bento Gonçalves, passou a pressionar Jango para fazer a lei entrar de fato em vigor. Barbosa Lima Sobrinho, também da FPN, cobrava uma decisão. Panorama difícil para Jango: ele não podia deixar de usar a caneta e assim se responsabilizar pelo ato.
Era um decreto. A FPN, a bossa nova da UDN na qual se integravam os deputados José Sarney, José Aparecido, Ferro Costa, o PR de Hélio Ramos e os sindicatos encarregaram-se de preparar uma manifestação no Palácio do Planalto quando Goulart anunciasse a regulamentação. Na véspera - versão textual passada a mim por Sérgio Magalhães -, o presidente o chamou aa palácio, e disse:
"Amanhã, regulamento sua lei. Sinto, entretanto, que posso estar assinando minha deposição". O deputado do PTB ficou perplexo com a frase, mas a atribuiu a um momento depressivo do presidente da República. Algo que acontece quando se coloca uma decisão de alta responsabilidade. Jango regulamentou a lei, que foi a primeira a ser revogada pelo governo Castelo Branco, em 1964. João Goulart teria sido profético?
Não tenho certeza. Até porque, também em 63, no mesmo ano, ele não sancionou nem vetou a lei que criou a Eletrobrás. A lei da Eletrobrás, mensagem de Vargas ao Congresso em 53, demorou dez anos para ser aprovada. Não estou dizendo que Luís Inácio da Silva esteja politicamente ameaçado pela remessa de lucros, tampouco que vacile como Jango vacilou. Estou dizendo que o fantasma da remessa de lucros continua presente na economia do País. Os fatos comprovam. Inclusive, porque o êxito alcançado pelo governo Lula no comércio externo é fantástico, o melhor resultado disparado de sua administração. Ele recebeu de FHC as exportações na casa de 70 bilhões de dólares. No ano passado elas foram de 147 bilhões. Recebeu as importações na escala de 68 bilhões.
Em 2007, atingiram 100 bilhões de dólares. O saldo foi de 47 bilhões. Nos anos anteriores, outros saldos altamente positivos ocorreram. Tanto assim que as reservas cambiais brasileiras reuniram 187 bilhões de dólares, montante equivalente ao da nossa dívida externa. Esclareço: existe também a dívida interna de 1 trilhão e 150 bilhões de reais. Esta é outra questão. Voltemos à remessa de lucros, impulsionadas principalmente pelas remessas de bancos, montadoras e metalúrgicas, destaca a "Folha de S. Paulo", melhor na edição sobre o assunto.
As exportações seguiram fortemente positivas: 90,6 bilhões, o que sinaliza para o dobro no final do exercício, trinta por cento a mais que no ano passado. As importações, conseqüência do dólar baixo, avançaram para 79 bilhões. Porém o fator negativo essencial está situado nas remessas, altas demais. O que prova que a saída de capital é maior do que a entrada.
Os números não dão margem a dúvidas quanto ao fenômeno. O grande Barbosa Lima Sobrinho examinou esta questão em seu livro sobre o exemplo japonês - "O capital de faz em casa". A remessa de lucros no semestre indica que em todo o ano vai atingir em torno de 37 a 39 bilhões de dólares. Como a lei que previa limite foi revogada em 64, o volume continuará livre. Vôo de cruzeiro para o capitalismo internacional. Perda de divisas para o Brasil. O que fazer?
A economia brasileira não foi mal: as exportações alcançaram 90,6 bilhões, as importações 79,2 bilhões de dólares. Os fretes, os seguros de mercadorias importadas, a conta turismo, na qual temos um déficit de 5 bilhões por ano, não foram suficientes para levar ao insucesso financeiro. Mas aí entraram as remessas de lucros. E isso me lembra a história da legislação sobre essa forma de saída de capital.
Em 1961, o deputado Sérgio Magalhães, que havia perdido o governo da Guanabara para Carlos Lacerda em 60, apresentou projeto de lei à Câmara restringindo estas remessas à parcela de dez por cento do lucro líquido obtido e prevendo a reaplicação do restante no País. O anteprojeto que Sérgio Magalhães assinou e terminou sendo aprovado, na realidade era de autoria do economista Gilberto Paim, amigo meu até hoje.
Votado na Câmara, foi para o Senado, onde foi acolhido, tão fortes eram suas razões e sua lógica. A exposição de motivos era sustentada com exemplos das leis em vigor nos próprios países desenvolvidos, a começar pelos Estados Unidos. A redação final foi para as mãos do presidente João Goulart.
Lembrando-se da crise que culminou com a morte de Vargas, além disso vacilante por natureza, detestando situações difíceis, não entrando em bola dividida, Goulart optou por uma tentativa de escapismo: em 62, não sancionou nem vetou a lei. Esta, então, teve que ser promulgada pelo presidente do Congresso Nacional, o então senador Auro Moura Andrade. Mas a lei - aí entra o que Sérgio Magalhães me contou pessoalmente - não era auto-aplicável. Exigia regulamentação.
A Frente Parlamentar Nacionalista, da qual Sergio era membro, e cujo presidente era o deputado mineiro Bento Gonçalves, passou a pressionar Jango para fazer a lei entrar de fato em vigor. Barbosa Lima Sobrinho, também da FPN, cobrava uma decisão. Panorama difícil para Jango: ele não podia deixar de usar a caneta e assim se responsabilizar pelo ato.
Era um decreto. A FPN, a bossa nova da UDN na qual se integravam os deputados José Sarney, José Aparecido, Ferro Costa, o PR de Hélio Ramos e os sindicatos encarregaram-se de preparar uma manifestação no Palácio do Planalto quando Goulart anunciasse a regulamentação. Na véspera - versão textual passada a mim por Sérgio Magalhães -, o presidente o chamou aa palácio, e disse:
"Amanhã, regulamento sua lei. Sinto, entretanto, que posso estar assinando minha deposição". O deputado do PTB ficou perplexo com a frase, mas a atribuiu a um momento depressivo do presidente da República. Algo que acontece quando se coloca uma decisão de alta responsabilidade. Jango regulamentou a lei, que foi a primeira a ser revogada pelo governo Castelo Branco, em 1964. João Goulart teria sido profético?
Não tenho certeza. Até porque, também em 63, no mesmo ano, ele não sancionou nem vetou a lei que criou a Eletrobrás. A lei da Eletrobrás, mensagem de Vargas ao Congresso em 53, demorou dez anos para ser aprovada. Não estou dizendo que Luís Inácio da Silva esteja politicamente ameaçado pela remessa de lucros, tampouco que vacile como Jango vacilou. Estou dizendo que o fantasma da remessa de lucros continua presente na economia do País. Os fatos comprovam. Inclusive, porque o êxito alcançado pelo governo Lula no comércio externo é fantástico, o melhor resultado disparado de sua administração. Ele recebeu de FHC as exportações na casa de 70 bilhões de dólares. No ano passado elas foram de 147 bilhões. Recebeu as importações na escala de 68 bilhões.
Em 2007, atingiram 100 bilhões de dólares. O saldo foi de 47 bilhões. Nos anos anteriores, outros saldos altamente positivos ocorreram. Tanto assim que as reservas cambiais brasileiras reuniram 187 bilhões de dólares, montante equivalente ao da nossa dívida externa. Esclareço: existe também a dívida interna de 1 trilhão e 150 bilhões de reais. Esta é outra questão. Voltemos à remessa de lucros, impulsionadas principalmente pelas remessas de bancos, montadoras e metalúrgicas, destaca a "Folha de S. Paulo", melhor na edição sobre o assunto.
As exportações seguiram fortemente positivas: 90,6 bilhões, o que sinaliza para o dobro no final do exercício, trinta por cento a mais que no ano passado. As importações, conseqüência do dólar baixo, avançaram para 79 bilhões. Porém o fator negativo essencial está situado nas remessas, altas demais. O que prova que a saída de capital é maior do que a entrada.
Os números não dão margem a dúvidas quanto ao fenômeno. O grande Barbosa Lima Sobrinho examinou esta questão em seu livro sobre o exemplo japonês - "O capital de faz em casa". A remessa de lucros no semestre indica que em todo o ano vai atingir em torno de 37 a 39 bilhões de dólares. Como a lei que previa limite foi revogada em 64, o volume continuará livre. Vôo de cruzeiro para o capitalismo internacional. Perda de divisas para o Brasil. O que fazer?
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