O BC tomou o poder
Com a medida provisória 435, o Banco Central se torna o único órgão público com licença ilimitada para gastar
(...) O governo acaba de introduzir modificações importantes nas relações entre o BC e o conjunto do Estado. Refiro-me à medida provisória 435, de 26 de junho. Suas conseqüências passaram despercebidas. Destaco uma delas. O BC teve prejuízo de R$ 47 bilhões em 2007. O mais importante não é ressaltar o prejuízo em si, que em parte decorre de operações legítimas, mas sim a qualidade da política econômica que o produz. Vamos simplificar: o BC compra dólares que entram no país. Com eles, forma reservas cambiais. Para evitar que haja reais em excesso na economia, oferece títulos do Tesouro Nacional no mercado aberto. Os dólares tendem a se desvalorizar, enquanto os títulos, entregues aos agentes privados, pagam altas taxas de juros. O BC perde. O prejuízo é repassado ao Tesouro Nacional e contabilizado como déficit.Até aqui, o BC operava com uma limitação: só podia usar títulos que já estavam em sua carteira. A MP 435 altera isso: define que o Tesouro passará a entregar ao BC, sem contrapartida, a quantidade de títulos que ele solicitar. Quem diria: o nosso arrogante BC precisa de socorro... Pois é cada vez menor a diferença entre os títulos que mantém em carteira e os compromissos já assumidos no mercado aberto. Sintoma de que a margem de manobra da atual política monetária está se estreitando. Se a MP 435 for transformada em lei, o BC passará a contar com um crédito automático e ilimitado, junto ao Tesouro, para cobrir os custos de suas decisões. As operações de mercado aberto poderão ter um crescimento explosivo e, com elas, a dívida interna. Os custos disso aparecerão para o público, genericamente, como obrigações do Tesouro Nacional. Aumentarão as críticas contra o Estado gastador, sem que se explicite onde ele gasta. Haverá maiores pressões para aumentar o superávit primário. Tudo em nome da boa causa do combate à inflação. Eis o que é relevante: com a MP 435, o BC se torna o único órgão público com licença ilimitada para gastar. Passa a comandar diretamente o Tesouro Nacional e, indiretamente, o conjunto do Estado. É inconstitucional: os incisos II e III do artigo 167 da Constituição vedam créditos ilimitados e estabelecem restrições a esse tipo de operação.Se o Congresso, o Judiciário e a sociedade civil não reagirem, a República deixou de existir. O BC tomou o poder.
CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.
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