Recurso Extraordinário RE/511961, que está em pauta no STF, questiona a exigência do diploma de jornalismo como condição necessária para se exercer a profissão. Se houver a aprovação do recurso, os ministros mostrarão que o direito à liberdade de expressão e à difusão de informações de interesse público não pode ser monopólio de uma casta da sociedade. Teoricamente, como temem os corporativos, qualquer cidadão brasileiro, de qualquer área, poderá se especializar e seguir a carreira de jornalista.
A reação “termidoriana” dos corparativistas
Com o lema “Em Defesa do Jornalismo, da Sociedade e da Democracia no Brasil”, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) organizou ato público para hoje, em frente ao Supremo. ''A sociedade brasileira está ameaçada numa de suas mais expressivas conquistas: o direito à informação independente e plural, condição indispensável para a verdadeira democracia''. A afirmação faz parte do manifesto à Nação que a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e mais 31 sindicatos filiados divulgaram em defesa do monopólio. É claro que o manifesto não explica como o direito à informação pode ser “independente e plural” numa estrutura em que os jornalistas são meros empregados dos grandes conglomerados da comunicação, controlados pelo pensamento único determinado pelo grande capital estrangeiro. No manifesto, há ainda a desinformação e o terrorismo: “Se os ministros aprovarem o recurso, qualquer pessoa, em tese, mesmo as que têm apenas o ensino fundamental ou até analfabetos, poderão requerer o direito de se tornarem jornalistas” (sic). O manifesto fala também que os sindicatos estão empenhados em acolher manifestações de apoio à causa do diploma e “do profissional jornalista formado junto às entidades da sociedade civil organizada”. Confesso que não entendi bem o último comentário do panfleto. Será que um jornalista formado numa faculdade privada, como o CEUB (que vive do lucro), ou numa universidade pública, como a UnB, estão enquadrados nisto? Será que não são considerados? Ou será que tem que ser formado por uma ONG, um sindicato ou por uma Igreja? Por enquanto, a resposta fica para depois, pois o outro lado que aparece na mídia, os que querem transformar a nobre profissão num imenso, democrático e irrestrito blog aberto a todos os seres viventes que sabem escrever, também estão em campanha.
“Diploma do Peitão”: a ridicularização proposital do debate
Curiosamente, nos últimos dias, a figura pública que mais se destacou na liderança dos que querem o fim do corporativismo foi a bela Karina Bacchi, modelo apresentadora da Rede Record, que escreveu texto inflamado em seu blog depois de ler uma notícia de jornal sobre ela. “Acho fora de série alguns comentários pra lá de maldosos que certas pessoas insistem em fazer sobre a vida alheia! Que prazer mais sem nexo! (falta de sexo, talvez!)”, disparou a saborosa loira sem dizer o nome do periódico em que viu a crítica. (LEIA O POST COMPLETO NO BLOGLOG). Segundo Karina, a nota dizia que a apresentadora tirou o “Diploma do Peitão”. “Até achei que tinham inventado alguma premiação divertida!. Santa ingenuidade a minha”, escreveu ela explicando que o autor da matéria ironizou o fato de Karina “não ter um diploma de jornalismo e mesmo assim fazer matérias internacionais para a Record”.
É claro que esta polarização entre os engajados corporativos e os libertalóides folclóricos não corresponde à verdade dos interesses em jogo, não esclarece os aspectos jurídicos e políticos em questão e, muito menos, permite a desmistificação debate. É claro que nenhum dos extremos tem razão, como geralmente acontece. Trata-se de pura guerra midiática. Aliás, a idéia de “polarização” faz parte justamente da estratégia dos defensores do corporativismo, que precisam estigmatizar, debochar e ridicularizar os causídicos do Recurso Extraordinário RE/511961. Não é por outro motivo que, nas vésperas da decisão do Supremo, “caia” do céu o caso do “Diploma do Peitão”, capitaneado por Karina Bacchi, mulher de mídia, mulher de propaganda, que tem todas as qualidades para garantir o sucesso da campanha que visa estereotipar, junto à opinião pública, os argumentos fortes dos que procuram, com seriedade, questionar as bases do corporativismo dos jornalistas profissionais. Afinal, a perigosa afinidade entre publicitários e jornalistas é justamente um das mais fortes argumentos contra o monopólio dos jornalistas no trato do noticiário, como veremos.
A desmistificação do debate
A verdade é: o que está em jogo não é apenas uma disputa corporativa, não é apenas a qualidade técnica dos jornais, não é apenas a questão da fidelidade ética dos profissionais, nem muito menos a preocupação com conceitos abstratos vinculados à democracia, como liberdade de expressão ou direito à informação. O que está em jogo é uma concepção política que, desde o final dos Anos 60, transformou a imprensa brasileira em verdadeiro aríete do capital transnacional contra a soberania da sociedade brasileira. Discussões técnicas superficiais, que destacam apenas o aspecto profissional da questão, sem levar em conta a totalidade de relações que o processo jornalístico implica, são formas de se desviar os verdadeiros problemas do papel da imprensa no Brasil contemporâneo. O argumento simplista dos corporativos de que, assim como médicos e engenheiros, os jornalistas precisariam de um curso superior é falácia tola. Profissionais de nível superior, que exigem formação altamente especializada, com exigências muito específicas, como medicina, direito e engenharia, têm razão em exigirem controle mais apurado sobre o desempenho de suas funções. Não é, por certo, o caso do jornalismo, profissão que trata, por definição, de temas gerais, como os problemas de todas as demais profissões e da sociedade como um todo. Portanto, necessariamente deve ser exercido por qualquer um, desde que demonstre aptidões para tal – aptidões que não dependem de diplomas, mas de vontade, dedicação e competência. Ou seja, é tão idiota exigir diploma para quem exerce o jornalismo como seria energúmena a exigência de uma licença do Estado para se escrever poesias, roteiros de filmes, prosas, romances ou letras de músicas.
Mito da neutralidade tecnicista norte-americana versus jornalismo de opinião
Na verdade, o que se quer com o Recurso Extraordinário no Supremo não é nada novo. Pelo contrário, trata-se de um resgate, pois a profissão de jornalista foi deturpada, com objetivos bem claros de manipulação, pela fase mais dura do regime militar (1968), quanto o processo de desnacionalização da imprensa no Brasil andava pare-passo com o processo de internacionalização de nossa economia. Era a aliança do regime de força com as transnacionais, com vistas, através da separação entre a sociedade e os formadores de opinião, ao controle da opinião pública. A transformação do jornalista em um mero profissional da informação, alienado da realidade, separado de outras áreas, um técnico anêmico, “despolitizado”, facilitava o controle. Era o mito do jornalismo norte-americano de “neutralidade da notícia” chegando às terras tupiniquins, justamente quando grupos poderosos da mídia dos EUA, como o TIME LIVE, aqui aportavam. Assim, a exclusividade determinada pela exigência do diploma passou a ser uma estratégia dos grandes grupos de mídia, assumida para a formação uma indústria de massa. Estabeleceu-se um período de transição para a regularização dos que já trabalhavam e, passado certo tempo, só formados em faculdades de Comunicação puderam ser contratados pelas empresas. Era a pulverização da totalidade existencial do jornalista-cidadão, que assumia suas posições e opiniões, em um ser fragmentado pela ideologia empresarial a serviços do mercado e, portanto, do lucro das empresas de contratantes. Era a transformação do ofício em mera mercadoria. Assim, foi decretada a morte da diversidade de formações e, portanto, de opiniões. O verdadeiro caldeirão intelectual de senso crítico e criatividade, que fermentava a produção jornalística das redações até o final da década de 60, foi amordaçado pelo mito da imparcialidade na descrição dos fatos. Médicos, engenheiros, matemáticos, físicos, juristas, professores, autodidatas sem diplomas (mas inteligentes), profissionais de diversas áreas, mas competentes e criativos, foram proibidos de contribuir com suas experiências para a sociedade. Neste cenário, gigantes do jornalismo brasileiro, como um Rui Barbosa, um Carlos Lacerda ou um Helio Fernandes, jamais teriam espaço. E não tiveram. E era justamente o que se pretendia. Assim, perdeu a sociedade. Perderam os leitores, ouvintes e telespectadores. Perderam a cidadania e o pensamento crítico. Perdeu o Brasil. Ganharam aqueles grandes grupos amestrados vinculados ao grande capital estrangeiro, com seus empregadinhos - repassadores frios de fatos deturpados e divulgadores de ideologias alienígenas-, formados pelo taylorismo das faculdades de comunicação. Não foi por outro motivo que foi justamente neste período que empresas apátridas, como o Grupo Abril e a Rede Globo, se tornaram potências.
Estas palavras de João Dória são sobre dados de 1960. Imagina-se qual não é a realidade de hoje, com todo esse processo de abertura criminosa provocado pela globalização? O fechamento de jornais por questões econômicas, portanto, infelizmente, é a coroação de um processo perverso de controle e neutralização da nacionalidade brasileira pela mercantilização e alienação de tudo sob a égide do capital estrangeiro. Isso está inteiramente associado às tentativas constantes de se jogar o Brasil de joelhos perante um modelo econômico assassino e submisso. Modelo alimentado pelo marketing, pelo falso entretenimento, pela desinformação, pela concorrência desagregadora, pela subserviência de nossas elites tacanhas, pela macaquice do show-bussines americano; coisas trazidas pela mídia estadunidense desde JK, ampliadas pelos militares e, atualmente, transformadas em modelo de progresso pela "Idade das Trevas" da fase apátrida “FERULA”, FHC/Lula. E a complacência, claro!, dos “neutros” jornalistas produzidos em série nas usinas de mentes vazias das faculdades. Jornalistas que, mesmo sabendo de tudo isso, ainda têm a cara-de-pau de falar, em seu manifesto corporativo, de coisas como “Direito à informação independente e plural, condição indispensável para a verdadeira democracia''.
É preciso considerar, contudo, que a empresa jornalística coloca no mercado um produto muito específico: a mercadoria política. Nesse tipo de negócio há dois aspectos a se levar em conta – o público e o privado. A esfera pública relaciona-se ao aspecto político; o privado, ao empresarial. E é aí que temos uma contradição insolúvel. Pois a informação e o acesso a ela são direitos públicos garantidos pela Constituição, mas o jornalismo é, geralmente, uma atividade privada, voltada, hoje, exclusivamente para o lucro. Como conciliar estas esferas excludentes num mesmo elemento?
Segundo a tradição liberal, no entanto, os governantes devem tornar públicos seus atos e tomar conhecimento dos anseios dos governados. A imprensa é o canal entre ambos. Nos Estados liberais, as constituições garantem a todos a liberdade de expressar sua opinião e de obter informações. A imprensa é o veículo apropriado para esses fins. Formalmente, todos são livres e iguais perante a lei, mas na prática uns são mais livres e iguais. Ocorre então que, neste mundo desigual a informação, direito de todos, transforma-se numa arma de poder manipulada pelos poderosos, num instrumento de defesa de interesses privados, difundindo mentiras e desvirtuando a função primeira da imprensa: a cidadania. Nessa verdadeira salada caliginosa, nessa confusão jurídica, onde se mesclam o público e o privado, os direitos dos cidadãos e suas opiniões não são dos cidadãos, nem tampouco dos jornalistas, mas dos donos de jornais, fazendo predominar as visões de mundo das elites abastadas. E, tragicamente, estas elites são ou estrangeiras ou submissas a elas. Como podem os empresários-jornalistas exercerem, de forma independente, o dever da crítica se estão ligados estruturalmente às pessoas e aos grupos que deveriam denunciar? Os compromissos que eles estabelecem na esfera privada não desaparecem quando atuam na esfera pública. A confusão entre o público e o privado define os limites do chamado quarto poder.
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/iq3005200193.htm
Leia também
A Liberdade de Expressão e o Diploma
Nenhum comentário:
Postar um comentário